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Os cabelos brancos de todos os dias

Nunca imaginei que o envelhecimento – e todo o pacote que vem junto – seria um assunto interessante para a minha escrita. Cabelos brancos, com os quais convivo desde 28 anos, fazem parte desse pacote . Foram surgindo como efeito de iluminação em alguns pontos da cabeça. Depois, teimaram em se concentrar nas raízes das têmporas. Se espalharam.

Minha família paterna era pródiga em ter a cabeça prateada mesmo antes de que alguém a interpretasse como velhice. Achava-se que era assim mesmo e que fazia parte da vida. Sempre louvei essa análise e a lucidez.

Quando menina, lembro de presenciar a insistência por parte da minha mãe para que meu pai tingisse seus fios grisalhos. Ela, sim, tinha horror aos cabelos brancos. Uma vez de tanto insistir meu pai resolveu ceder. Foi um desastre e resultou em uma confusão enorme com pitadas de humor.

Com total falta de prática, ele derrubou a tinta preta em cima da primeira máquina de lavar recém comprada e depois de muita economia. Os dois não sabiam se limpavam a sujeira, se discutiam ou se deveriam se preocupar com a quantidade de minutos que a tintura já estava na cabeça dele. Não recordo como acabou. Devo ter me afastado para não trazer mais desassossego à discussão do casal. O acontecido era relembrado com as gargalhas soltas pelos os dois.

Dona de uma cabeleira de fios levemente ondulados e macios de dar inveja às vizinhas, minha mãe se ressentia muito quando o brilho dos cabelos brancos contrastavam com os negros. Passou a maior parte de seus anos os tingindo. Sua genética também trazia essa marca.

Quando já estava à beira dos 90 anos e sem poder se locomover com facilidade, pedia que eu os pintasse. Era um momento especial. O papo corria solto. Como faleceu em poucos dias desde que chegou ao hospital, nem deu tempo para ficar com a cabeça toda branquinha.

Com essa onda super bem-vinda de assumir os fios brancos, ando pensando sobre meus pais. Minha mãe, como disse, resistiu até onde pode. Meu pai, claro, encheu o saco e desistiu rapidamente do perrengue da pintura. Foi deixando os fios embranquecerem. Ele tinha uma relação mais tranquila com o tempo. Outro aprendizado.

Desde que fui declarada idosa e grupo de risco – me dei conta na pandemia – venho pensando muito mais em mim e nos cabelos brancos. Admiro essa transformação no visual que muitas mulheres adotaram. Fashion. Aprovo mas, não me enxergo nela. Como há anos adotei um corte curto e, às vezes, curtíssimos, vou levando como posso. Deixo que alguns fios se misturem aos outros que hoje estão a léguas da tonalidade natural. Não quero brigar muito com essa condição.

Não sofro pressão nem cobrança. Decidi levar meus fios tingidos até quando a impaciência tome conta de mim e me empurre para mais uma transformação. Sei que esse dia vai chegar. Estarei pronta e viverei com alegria essa nova temporada da minha existência.

Melhor estar idosa, com cabelos brancos e envelhecer . A outra opção não é boa. Pelo contrário, é péssima.