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Como descobri que sou do grupo de risco

Faz um ano que tive essa epifania. “Ops! Sou do grupo de risco”. Até então, me considerava uma mulher de +60, mas com disposição de 30 e uma mente revolta e curiosa de 20.

Claro que já não tinha – como não tenho – nem o corpo nem o peso de quando fazia dança moderna ou, muito menos, de quando nadava. Aquela silhueta se foi com o tempo. Esperado. Apesar das tentativas de manter a balança em níveis que eu aceitasse, elas não vingaram. Mas, sempre procurei manter meu corpo em movimento.

Atividade física sempre esteve presente no meu dia a dia. Isso me ajudou a manter vitalidade, equilíbrio e mobilidade. Costumo dizer, com licença poética, que sou movida a movimento.

Nunca fui de comer muito. Nunca foi fui de comer de tudo. Minha mãe contava que quando eu era bebê se não gostasse de alguma comida cuspia e jogava o prato no chão. O prato era de alumínio. Chata, né?! Geniosa também!

Ela chorava. Se desesperava. Achava que eu ia morrer. Claro, tive uma infância com saúde delicada que inspirava muito cuidado. Gostava de  alimentos que crianças, em geral, não gostam, como espinafre e quiabo. Me alimentava basicamente de feijão, arroz, peixe, frango e geleia de mocotó.  

Vi no Google que a geleia de mocotó existe até hoje. Mas, lembro bem que o copinho era outro. Era baixinho. Era nele que eu coloca grãos de feijão no meio do algodão molhado. Na minha ingenuidade infantil, achava que poderia ter uma plantação no fundo quintal da nossa casa de subúrbio carioca. Todo dia, antes do café da manhã corria pra ver como as sementes estavam germinando. Achava aquilo fantástico.

Já que não comia muita coisa mesmo, o peso sempre foi abaixo do esperado para uma criança e adolescente da minha idade e estatura. Meu irmão, 3 anos mais novo, me chamava de “Olívia Palito”.

Coisas do século passado: tem gente que vai lembrar do desenho animado do Popeye.  Olívia era sua eterna namorada. Ele vivia tentando salvá-la do seu grande inimigo Brutus. Agora, acho até engraçado. Mas, naquela fase ficava emburrada. Hoje, fico pensando o quanto a gente fica lutando com a balança para ter uma silhueta mais delgada como a dela. Bobeira. Enfim, assim é a vida.

Até por conta dessa busca pela saúde e por um peso condizente com a minha altura, acho que não percebi que algo mudou a partir de fevereiro e março de 2020. Como um tsunami, a pandemia nos jogou num espaço cinzento de dúvidas, incertezas e medo. As imagens da China e da Europa, principalmente da minha amada Itália, eram como um soco nas nossas retinas. Tudo muito estranho.

Por vezes, eu me sentia como se estivesse numa praia bem na beira da água.  Me via paralisada vendo aquela onda imensa se formando bem ao longe. Sentia que minha boca não conseguia emitir som algum. O som ao redor era do mar que ia se recolhendo à espera da nova e gigante montanha de água que se formava.

Passei por essa sensação várias vezes. Até que um dia nos disseram: “fiquem em casa”. Aí, a sensação foi de que, finalmente, a onda havia batido com força na areia. Prendeu cada um de nós dentro dos nossos cantinhos.

Foram dias de muita loucura. Não ouso dizer que agora, em  2021, a situação esteja melhor. Não, não está. Mas, agora, pelo menos, sabemos a capacidade que esse vírus carrega de fazer estragos, de separar as pessoas, de acabar com empregos, de transformar vidas e, principalmente, de matar.

Com essa parada geral no ano passado, a academia que eu frequentava, óbvio, fechou. Poucas semanas depois, recebi um e-mail. Nele, a administração explicava, como iria agir com contratos, reabertura quando possível e quem poderia frequentar suas dependências.

Nossa, foi um susto. Dizia assim: de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) maiores de 60 anos não poderão frequentar nossas dependências quando for permitido voltarmos às nossas atividades mesmo com todas as medidas sanitárias e de limpeza”.

 “Caramba, o que é isso”, pensei. Achei que não estava lendo corretamente. Respondi o e-mail, acho, até que de forma mal criada. Não conseguia admitir que alguém como eu saudável, esportiva, dedicada não poderia mais frequentar a academia.

A primeira impressão foi de raiva. Achei revoltante. Não me via dentro desse grupo de risco. Reclamei comigo mesmo. Reclamei com o mundo. Xinguei o vírus. Depois, fiquei muito triste.

Só não desanimei mais porque a professora de Pilates se virou muito rapidamente. Nossa turma online perdura até hoje. Viva o Zoom. Mas, eu estou no grupo de risco mesmo, pelo menos, daqui a pouco vou tomar a vacina. Fazer o quê? Ah, a mente continua igual: a mil!