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O susto de um domingo

Não espero acordar no domingo pra chorar, pra sofrer, pra lamentar. Aliás, não espero isso em dia nenhum. Acordo para um mais um dia de vida, com saúde, com esperança, ainda mais, nessa fase de pandemia. Acordo agradecendo.

Pouco antes desse vírus danadinho começar a perturbar o mundo e as nossas cabeças, achamos um ninho de rolinhas na árvore da felicidade que está na sacada do apartamento há 22 anos. Já comentei isso por aqui.

Numa manhã nublada de domingo, fiz o de sempre: acordei e abasteci os potinhos de comida e água. Uma rolinha-mãe estava no ninho na sua solitária tarefa. Quando olhei para o lado esquerdo da sacada, bem na minha frente a uns 3 ou 4 metros de distância, havia um gavião pousado em cima do poste.

Gelei por dentro. Me encarou com seus olhos agudos como se dissesse “sei que tem comida aí”. Era grande, devia ter mais menos de 35 a 40 centímetros da cabeça até o fim da cauda. As outras rolinhas, que sempre aparecem nesse horário para dividir a comida, sumiram. Depois descobri em uma publicação no perfil do Jardim Botânico que deveria ser um gavião carijó, uma espécie comum pelas bandas da zona sul do Rio.

Fiquei sem ação. Liguei para os bombeiros, para o número 1746 da Prefeitura. Todos me atenderam muito bem, mas...” Senhora, não podemos fazer nada. Tente espantá-lo”. Liguei para um amigo que me orientou a fazer barulho com uma buzina ou com uma corneta daquelas que a gente ouve muito durante a Copa do Mundo. Foi o que fiz.

Nesse meio tempo, abusado e esperto, ele voava de um lado para o outro em frente ao nosso prédio. Vez por outra, pousava na grade do edifício. Me desafiando.

No ninho, a rolinha-mãe se mantinha imóvel. De vez em quando, suspendia as penas do corpinho pequeno. Instinto, pensei, sentiu a ameaça por perto.

Mais atrevido ainda, o gavião pegou uma rolinha que estava em uma árvore mais ao longe. A devorou em cima de outro poste em frente à nossa casa. Foi o sinal. Comecei a chorar. A essa altura, meu marido já havia acordado. Não sabia se me acudia ou providenciava uma forma de afastá-lo.

Depois que acabou a refeição, ele voltou para o primeiro poste, bem na nossa frente. Peguei a buzina e joguei o som na direção dele, várias vezes. Foi embora.

Passados mais ou menos 15 dias, os filhotinhos já haviam nascido. Eu estava na sala assistindo um filme. De repente percebo um vulto, um forte bater de asas, que fez uma rasante na sacada em direção ao ninho das rolinhas. Ele (ou ela) voltou. Pulei do sofá. Peguei a buzina. Fiz muito barulho. Gritei muito. O cachorro também latiu de doer os ouvidos.

O gavião acuado se enganchou na tela de proteção da sacada. Resolvi ligar o 193, Corpo de Bombeiros. Fui bem atendida. Em 10 minutos, uma equipe chegou.

O bicho tentou voar, mas a tela não permitia. Um dos bombeiros o pegou firme e rapidamente. Sem machucá-lo. De perto, parecia maior ainda. As penas são de uma combinação de tons impressionantes. Seus olhos enormes e esbugalhados estavam na nossa direção. Foi levado dentro de um tonel para ser solto na mata.

Ouço seus gritos ao longe de vez em quando. Mas, não se aproximou mais. Não quero essa sensação para nenhum dia.  Sei que é da natureza dos gaviões, mas, por hora, conseguimos proteger mais dois filhotinhos. Os pequenos ficaram sozinhos no ninho enquanto toda essa cena se passava. A mãe só voltou depois que a sacada voltou à calma de sempre. Ufa!