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Filho longe, ninho vazio

Todas as manhãs, desde que essa história de pandemia passou a fazer parte das nossas vidas, meu primeiro movimento ao levantar é ir até a sacada do nosso apartamento. Movimento mantido até hoje para alimentar as rolinhas. Sei lá como e por que, algumas da família columbidae resolveram visitar a nossa sacada desde o ano passado.

No início, não prestávamos muito atenção ao vai e vem delas. Um belo dia, meu marido levou um susto: “Vem ver. O que é isso aqui?” Havia um ninho com dois ovinhos brancos numa árvore da felicidade que está conosco há 22 anos. Não percebemos a construção do tal ninho.

Saquei logo que a mãe deveria ser uma daquelas rolinhas que ficavam pra lá e pra cá. Resolvemos abastecer a “maternidade da sacada”. Colamos, com fita dupla face, dois pequenos potinhos de iogurte no batente, um para água e outro para a comida.

Desde então, passamos a observar mais o dia a dia de Chiquita. Dei esse apelido à mamãe-rolinha. Ficávamos impressionados com a sua dedicação dia e noite.

Numa manhã, acho que uns 11 ou 12 dias depois, acordei e vi que ela não estava lá. Mas, havia duas pequenas bolas de penas castanhas bem escuras. A felicidade me invadiu: nasceram! A mãe voltou várias vezes para alimentar e cuidar dos filhotes.

Tempos depois, Chiquita sumiu de vez. Os pequeninos foram se virando como podiam. Saiam, às vezes, do ninho, descobriram os potinhos, se alimentavam e voltavam. Começaram escalando a árvore, depois o batente, depois a árvore do prédio ao lado. Voltavam. Toda manhã os dois estavam lá. Um dia acabaram tomando o rumo da vida e se foram. Fiquei triste, mas não podia contrariar a natureza.

Algum tempo depois, a maternidade da sacada” recebeu mais uma grávida. Nem sei se era Chiquita de novo. Mais dois ovinhos, depois duas bolinhas de penas e, enfim, mais dois passarinhos.

Nessa época, já estávamos na fase de distanciamento social. Ruas vazias, nada de movimento, nada de carros, raríssimas saídas de casa. Aquelas criaturinhas eram a minha alegria a cada manhã. Me encaravam com aqueles pequenos e redondos olhos. Eram a minha companhia.

Mas, chegou o dia em que não os vi mais no ninho. Fiquei muito, muito triste, de novo. Parada na sacada, me mantive ouvindo o silêncio. Meu coração ficou apertado. De repente, me peguei lembrando do meu filho que vive longe, longe. Ninho vazio é um buraco e tanto. Dói muito.

Quanto às rolinhas, continuam frequentando a sacada em busca de comida e de segurança. Parei de dar apelido. Me confundo muito. Continuam a ser razão de muita alegria e companhia. Chegam quando querem. Voam quando querem.

Acho que é assim que a gente deve perceber filhos: precisam voar. Mas, voltam.