Categorias:

Décimo andar

Rui resistiu muito em mudar para um daqueles edifícios muito altos da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. Tinha medo de altura. Mas, o endereço era mais perto do escritório, o apartamento era ótimo e o aluguel idem. Além disso, menos trânsito, menos dor de cabeça. Tudo se encaixava muito bem na sua dinâmica de vida. Aceitou a contragosto.

Assim, lá se foi a família Covas viver no vigésimo andar de um prédio branco com faixas cinzas. Rui não chegava perto das janelas. Dizia que tinha ímpeto de pular como se alguém o empurrasse. Às vezes, se sentia voando sobre a área da piscina e do playground do condomínio. Sua mulher até pensou em procurar um profissional para tratar a fobia do marido.

Apesar da proximidade do serviço e das reclamações dos filhos, ele não conseguiu mudar o seu hábito de sair mais tarde do escritório para evitar os engarrafamentos. Chegava todo dia em torno de 9 horas da noite. Com ele, um homem calvo, barba por fazer e de poucas palavras subia o elevador. Descia no décimo andar e sempre se despedia: “Boa noite. Durma bem”. Rui sempre achava que deveria trabalhar em uma fábrica. Parecia que não trocava de roupa: calça e camisa de mangas longas cinzas e sapatos pretos. “Bem, pode ser o uniforme dele”, pensava.

Certa noite, antes de chegar ao seu destino, o cara perguntou se Rui acreditava em fantasma: “Claro que não. Que besteira. Até manhã, vizinho. Tenha uma boa noite. Descanse com os anjos”. O tal homem saiu do elevador. Se postou de frente para Rui e disse em um tom de voz tranquilo: “Boa noite. Até amanhã”.

Ficou sem ver a figura por um tempo. Achou estranho. Ficou imaginando o que poderia ter acontecido com ele. Quem sabe, havia mudado, né? Ou trocado o turno. Ou pior, será que havia perdido o emprego e agora não chegava mais em casa àquele horário?

Duas semanas depois, Rui segurou a porta para ele entrar. “Bom lhe rever, vizinho. Tudo bem?” Nem recebeu resposta nem aceno de cabeça. O homem saiu no seu andar de sempre e deu as costas sem se despedir.

Lá se foram dois meses sem vê-lo. Rui, então, resolveu perguntar ao porteiro sobre o tal morador. Não era de dar muito papo à turma de serviço do prédio. Agora era diferente.  “Nossa, seu Rui, num sabe, não? Nunca contaram pro senhor? Tá todo vazio desde que o seu Tibúrcio caiu no poço do elevador numa madrugada há anos”.

OBS. Este conto foi publicado na coletânea Prêmio OFF FLIP 2023