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Ao som dos sinos

Sinos, na cidade alemã onde estou, são ouvidos várias vezes ao dia. Tocam nas horas cheias, nas meias-horas e, alguns, quando faltam quinze minutos para a hora cheia. Nunca sei de onde vem.

Fazem parte da paisagem sonora, assim como, o vai e vem dos trams – veículos leves sobre trilhos –  que atravessam bairros e cidades próximas e o deslizar das barcaças de carga pelo rio Neckar.

Fora isso, há o silêncio. Isso mesmo levando em conta que estou em uma localidade com pouco mais de 350 mil habitantes, duas grandes universidades, escritórios e fábricas de várias empresas alemães e internacionais.

Carros, ônibus e caminhões elétricos já são uma realidade muito presente no dia a dia daqui. Uma vez me assustei com um furgão amarelo da DHL – olha, ele aí de novo em um texto meu, presença constante. O sinal de pedestre estava quase terminando o seu prazo para mim. Corri. O veículo precisou frear depois de uma curva suave para não me atingir. Ainda bem que o motorista não me xingou. Seria esperado. Preciso prestar mais atenção.

O fato é que carros movidos a eletricidade são silenciosos, às vezes, até demais. São presença para os olhos. Não para os ouvidos. Como brasileira, me habituei com o barulho do trânsito.

Sendo assim, os sinos tomam o espaço sonoro da cidade.

Dia desses, lembrei da minha mãe – ela nasceu em um pequeno povoado ao leste da República Dominicana, ilha caribenha – que temia o bater dos sinos caso não fosse domingo, dia da missa na igreja-matriz de Santa Cruz del Seibo. Dizia que o som fora do contexto semanal podia ser por causa de morte inesperada, de acidente sério, de tragédia. Isso lá pelos idos das décadas de 1930 e 1940. Se estivesse por aqui, se espantaria mesmo.

“Por quem os sinos dobram” é título de um livro de Ernest Hemingway e de um filme derivado dele do início da década de 1940. Debruçado na sua experiência como voluntário na Guerra Civil Espanhola, o autor americano coloca no seu romance decepções, mortes, vinganças. Triste como qualquer guerra. O som do sino na trilha de abertura já reforça o roteiro denso estrelado por Gary Cooper e Ingrid Bergman.

Nessa minha rotina atual, nada de drama cinematográfico. As sirenes das ambulâncias e da polícia me tiram do torpor sonoro dos sinos. Como qualquer serviço de emergência, não têm horário marcado. Surgem sem qualquer aviso várias vezes ao dia.

Fico aguardando que sumam. Logo, depois, ouço um sino tocando em algum ponto da cidade. Nunca sei bem aonde. Só escuto. Me traz tranquilidade e o retorno ao ritmo de um dia qualquer.