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O furgão amarelo

O furgão amarelo da DHL se mexe durante o dia todo de um lado para o outro. Mesmo em uma cidade média é uma presença constante em meio aos carros e aos veículos leves sobre trilhos, os trams. Por licença da prefeitura pode parar durante alguns minutos em locais onde as multas são astronômicas.

A empresa é de origem americana. Na Alemanha, faz parte da área de logística do Deutsche Post. Quer dizer, é o próprio correio alemão que gerencia tudo e da mesma forma organizada e protocolar já conhecida. É motivo de orgulho.

Um deles passou a fazer parte da vida de uma moça. Ela o espera diariamente. O motorista, que também é o entregador, se desloca bem rápido para cumprir o horário de cada entrega. Como o sistema da DHL divide a cidade em rotas específicas obedecidas à risca, inclusive quanto ao período do dia e ao horário, é previsível saber quando vai surgir.

Em frente a uma pequena loja meio tabacaria, meio bazar, a jovem com a cabeça coberta por um lenço ou hijab cor de vinho observa o rapaz saltar do furgão. Ele checa o celular com todas as informações sobre as encomendas, abre a porta lateral. Lá dentro, várias prateleiras com dezenas de pacotes, caixas e envelopes previamente organizados esperam para chegar aos seus destinatários.

Com precisão, ele seleciona o que deve ser deixado naquela área e segue em frente. Não vira o rosto para lugar algum. A porta da viatura amarela fica aberta. Ninguém mexe. Ninguém se atreve nem a olhar o que ainda está dentro dela.

A moça acompanha tudo com um leve sorriso. Não dá para saber se os dois já se conhecem. Até parece que, em dado instante, ele retornaria com um aceno. Nada acontece.

O entregador termina seu serviço, fecha a porta lateral, volta para o volante. Segue em frente. A moça volta para o interior da pequena loja.

Às vezes, o veículo da DHL não aparece por alguns dias. Quando surge, o evento se repete. A moça sai da loja com a cabeça envolta no véu. O rapaz desce, abre a porta lateral e prossegue em sua tarefa. Nada de novo.

Algumas semanas passaram sem que o furgão surgisse. Quem sabe, não havia entrega nas redondezas. A moça, no entanto, manteve seu ritual. No mesmo horário, ia até a entrada da loja. Aguardava alguns minutos e voltava a entrar.

Tempos depois, o furgão amarelo com letras vermelhas surge só que em um horário um pouco diferente. A moça demorou para perceber, mas conseguiu chegar a tempo de ver o motorista. Era outro, mais velho, corpulento e com cabelos louros. O anterior era jovem, magro, nariz aquilino e com vasta cabeleira preta.

Antes que o veículo saísse, ela correu até a janela do motorista. Por alguns segundos, conversou, fez perguntas. O novo entregador disse algumas palavras sem entrar em detalhes. Logo depois, partiu para mais uma entrega. O choro podia ser ouvido de longe. Ela voltou com passos curtos para pequena loja.

Ontem, em um jornal local, foi publicada uma matéria sobre um acidente com um carro preto e um caminhão. Ao lado, havia a foto do motorista morto no acidente. Era aquele rapaz entregador que passava quase todas as tardes em frente à loja meio tabacaria, meio bazar.