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Na beira do rio Sena, chorei

Pardon, monsieur. Òu est la rue Chanoinesse?

Passava um pouco de 7 horas da manhã de um outono. Folhas laranjas, vermelhas estavam espalhadas pelo chão. O vento ainda não era muito frio, porém mais do que suficiente para o casaco preto de lã que pela primeira vez saía do Rio rumo a Paris.

Apesar do sobrenome da família materna, de ter aprendido a cantar o hino francês, La Marseillaise, aos 10 anos no colégio de freiras francesas, de conhecer muito sobre Chanel ela nunca havia visitado a França.

Já era adulta, casada e com filho quando, com a ajuda de um amigo brasileiro e depois de uma longa poupança familiar, conseguiu realizar um sonho de menina.

Seu voo chegou muito cedo, em torno de 5 horas da manhã, ao aeroporto Charles De Gaulle,

Sabia que precisava embarcar em um ônibus da Air France até “Les Etóiles, aquele conjunto de avenidas largas que se encontram – ou partem – do Arco do Triunfo. Dali, deveria pegar um táxi para o seu hotel, pertinho do Hôtel de Ville, sede do governo municipal.

Sozinha, com uma mala grande, sem prática de usar um casaco pesado, se enrolou para achar o local de partida do ônibus no imenso aeroporto. Mas, como anjo da guarda de gente enrolada funciona, acabou sendo amparada pelo próprio motorista.

Ele deu uma ré quando avistou a atrapalhada pelo vidro-retrovisor. Desceu, reclamou e a ajudou a colocar a mala no bagageiro. A carioca foi a atração dos passageiros: marinheiro de primeira viagem, claro.

Depois de um pouco mais de uma hora, eis que surge o Arco do Triunfo.

Se perdeu nos pensamentos. Foi acordada pela voz do motorista: “Vite, vite”, rápido, rápido! Quando desceu do ônibus, sua mala azul-marinho já estava na calçada. Sorriu: “Merci, monsieur”. Ele nem a olhou. Seguiu viagem.

Já não havia mais nenhum passageiro na calçada. O dia ia começando, mas a rua não estava movimentada. Fez sinal e um táxi parou logo. Os motoristas sabiam que naquele horário sempre havia gente vindo do aeroporto.

Será que ia conseguir falar em francês com o taxista?

“Bonjour, monsieur. S’il vous plait, pour la rue du Temple”.Quel est le numéro, mademoiselle?”. “Pardon. C’est le 20”. (Bom dia, senhor. Por favor, para a rua do Templo. Qual é o número, senhorita. Perdão. É o 20.)

Suando muito apesar do frio, chegou ao hotel até bem rápido. Pagou. O motorista abriu o porta- mala, se encostou no capô e começou a fumar. Ela logo percebeu a ordem que ficou no ar: pega a sua mala. O táxi arrancou em seguida. Ficou sozinha no meio da estreita rua vazia e de paralelepípedos úmidos.  

A porta do pequeno hotel estava fechada. Começou a achar que a tal dica do seu amigo poderia ter sido uma roubada. De qualquer jeito, resolveu tocar a campainha mais de uma vez. Na terceira, surgiu um senhor. Com a cara amassada, um cigarro no canto da boca, perguntou seu nome. Voltou para dentro. Retornou dali alguns muitos minutos e abriu a porta.

“Oui, mademoiselle. Votre réservation est confirmée, mais commence à 12:00. Laisse ton sac ici. Reviens plus tard “.  (Sim, senhorita. Sua reserva está confirmada, mas se inicia ao meio-dia. Deixe sua mala aqui. Volte mais tarde.)

Estava super cansada. Não havia dormido durante o voo – passou a maior parte da viagem lendo um livrinho de frases prontas em francês. Queria fazer xixi, beber um café, um copo de água, mas volte mais tarde”. Sem saber bem onde estava, começou a caminhar na direção da imponente construção que é o Hôtel de Ville.

Na esquina com a rue de Rivoli, resolveu testar o seu francês de novo:  “Pardon, monsieur. Òu est la rue Chanoinesse?” (Perdão, senhor. Onde é a rua Chanoinesse?.), o endereço do tal amigo. Ele lhe explicou com calma, apontou na direção da catedral de Notre Dame que àquele horário fazia um pouco de sombra para o sol.  Ela atravessou a área diante do Hôtel de Ville e a rua que beira o Rio Sena.

Quando chegou à Pont d’Arcole, que fica bem na direção da praça, foi invadida por uma emoção incontrolável. Achou até que ia vomitar ou desmaiar. Havia uma força que subia pelo seu peito que desabrochou nos seus olhos. Não conseguia parar de chorar.

Se viu no meio de carruagens, de gente falando em francês muito alto, risos, correria de crianças, cheiro de castanhas assadas e de estrume de cavalos. Chorava muito. Se sentiu em casa e, ao mesmo tempo, fora dela. Não sabia o que significava aquela avalanche de sensações estranhas.

 “O que aconteceu com você? Que cara é essa?” foram as palavras do amigo quando ela chegou ao apartamento dele uma hora depois. Sei lá. Não sei como explicar. Minhas lágrimas, agora, fazem parte das águas do rio Sena. Vão chegar ao mar”.