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Uma tela em branco e a indignação

Ficar sem assunto tem um lado muito interessante que é ter muito assunto. Pode parecer antagônico, mas não é. Acho que é a gente que perde o foco em meio a tantos temas: da chuva torrencial às disputas internacionais passando pelo combate ao coronavírus e pela batalha da vacinação. Assunto é que não falta.

Tive um professor que gostava de refletir sobre a página ou a tela em branco. Dizia que isso acomete a todos que escrevem, que gostam de escrever por profissão, por prazer ou por talento mesmo, sejam eles geniais ou medíocres. Não sei bem onde me encaixo. Tem vezes que acho que posso me considerar medíocre. Tem vezes que acho que escrevo algo que pode interessar a alguém. Vai saber?!  O que não me falta é vontade de melhorar: trabalhar, revisar, reescrever faz parte disso.

Escrever é como tirar de algum lugar interno algo que emociona, que espanta, que alegra, que mexe com a mente, que traz a indignação. Assim, não dá para não passar por essa primeira semana de fevereiro sem não me indignar, emocionar e espantar com a morte absurda desse rapaz congolês, Moíse.

A cada imagem, a cada notícia o coração fica mais apertado. Quando a mãe dele aparece, tudo fica mais difícil ainda. Um dos irmãos falou uma frase que me tocou muito. Era mais ou menos assim: “saiu de um lugar vivo onde podia morrer. Morreu em um lugar onde era para viver”.

Não sei como nos tornamos assim. Não sei quando, como e onde a sociedade e o poder público se perderam de si mesmos e de suas obrigações.

Sou filha de imigrante e de um casamento interracial. Minha mãe tinha um amor agradecido e verdadeiro pelo país e pelo Rio. Católica, pediu em carta para ser enterrada de forma que o Cristo Redentor estivesse sempre a abençoá-la. Assim fizemos apesar de todos os membros da família brasileira terem sido enterrados em outro cemitério.

O fato dela ser uma imigrante sempre foi muito bem administrado tanto por ela, como por meu pai e sua família e, claro, pela família da República Dominicana.

Sei que a condição de refugiado no século 21 é outra coisa.  Tem gente que foge do clima severo, da fome, das perseguições políticas ou religiosas. Ser refugiado tem um peso que não sei medir.

A situação dessa família congolesa me entristece muito. O Brasil é enorme. Há oportunidades para todos apesar desse período de pandemia, das dificuldades econômicas e das desigualdades.

De verdade, espero que essa mobilização que, enfim, fez as autoridades policiais se mexerem chegue também à motivação desse crime brutal. A impunidade cria essa monstruosidade que também sobrevoa seguidamente outros jovens brasileiros, outras famílias.

A tela não está mais em branco. Só que foi preenchida pela indignação. Nela também estão meu desejo de que esse rapaz descanse em paz e que seus familiares tenham força para conviver com essa perda dolorosa.