Por mais que a gente reflita sobre o sofrimento, quando ele se materializa nos damos conta de fato o que é e como dói. É também quando ele marca a alma, o coração, a mente e, mais ainda, nos possibilita perceber a fragilidade de nós, os seres vivos.
Recentemente, li uma matéria no jornal O Globo sobre a relação dos humanos com outras espécies vivas, entre elas, os animais domésticos, como o cachorro.
Vinciane Despret, uma das entrevistadas, descreve no seu mais recente livro (“Que diriam os animais: fábulas científicas”) o relacionamento com uma cadela adotada em um abrigo. Ela conta como a chegada de Alba, “mudou completamente o ritmo da vida hiperativa e que vem aprendendo a ser paciente para ganhar a confiança do animal”. A cadela, que havia sido mal tratada, resistiu durante muito tempo a aproximação com sua nova dona, mesmo que para receber um carinho.
Depois de ler o texto, me voltei para o que havia acontecido dias antes. O desafio foi a saúde do cachorro da nossa casa, o pequeno Tom, um daschund de 5 anos. Ele passou alguns dias sem comer nem beber água com a pressão e glicose muito baixas. Não sabíamos o que havia provocado seu estado de procrastinação. Seu sofrimento invadiu a casa e a nossa vida.
A cada dia que passava, a gente achava que ele não passaria daquela tarde ou noite. Seus olhos nem mais abriam direito. A cabeça pendia de um lado para o outro. Cambaleava. E, pior, não havia um por quê aparente. Até a veterinária – que cuida dele desde que foi deixado dentro de uma caixa de papelão na nossa portaria- não conseguia fechar um diagnóstico de imediato. Mais exames, mais consultas, mais conversas.
Enquanto ele ficava no cantinho dele envolto numa manta – a temperatura do corpo também era baixa – me peguei algumas vezes refletindo sobre a nossa fragilidade. Em meio a uma doença, somos como os bebês ou como os animais domésticos: indefesos. Se alguém não toma conta da gente, não toma uma decisão, morremos. Quando pensava nesses momentos estranhos da pandemia e do processo da vacinação contra a Covid-19, me entristecia mais e mais.
Sentava ao lado dele. Percebia como a minha presença o motivava de alguma forma. Mesmo com a saúde tão delicada, ele abria os olhos tristes, me fitava e voltava a fechá-los. Me parecia que se recolhia cada vez mais à espera da morte.
Mesmo já com alguma medicação e com o soro, ele não reagia muito. A comida especial era colocada quase na garganta dele. Água dada com uma seringa. Os rins funcionavam com dificuldade. Um cenário de tristeza. Lembrava o quanto ele nos fez companhia naqueles dias mais fechados e de isolamento no início da pandemia.
Eu levantava várias vezes à noite com o coração aos pulos. Imaginava que já não sentiria mais a sua respiração nem seu focinho úmido. Me alegrava quando ele se esforçava para me olhar.
Tudo aconteceu em meio a um trabalho que consumiu praticamente todas as horas do meu dia. Me dividia entre a tela do computador, as mensagens do WhatsApp e do e-mail e os cuidados com o cachorro. Até as minhas refeições e o meu sono ficaram de lado.
Enfim, depois de muitos testes, consultas, exames de sangue, o diagnóstico chegou: uma insuficiência das glândulas suprarrenais. Ele está em tratamento. Já no terceiro dia da medicação indicada voltou até a latir e a comer um pouco, coisas que já não fazia há algum tempo. Agradecemos a ajuda e a preocupação de todos e das veterinárias.
Ainda não é o mesmo cãozinho agitado, mas vai melhorando dia a dia. Parece feliz e agradecido. Vai tentando recuperar a sua saúde.
Nós, por outro lado, vamos tentando readquirir a nossa alegria. E com a certeza, cada vez maior, de que precisamos uns dos outros. Somos frágeis, muito frágeis.