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Uma Quarta-Feira de Cinzas diferente

Das poucas certezas que rondam essa semana: chegamos à Quarta-Feira de Cinzas. Mesmo com o Carnaval meia-boca, mesmo com as ruas vazias de foliões – acho que se espremeram nas festas privadas – mesmo sem o cheiro de xixi e de cerveja quente entrando pelas nossas narinas, mesmo sem os mega navios atracados no porto. O calendário não falha. Começa então a Quaresma, tempo de reflexão.

Mas, com essa guerra no leste europeu não dá para achar que essa é uma Quarta-Feira como outras. Depois da pandemia – que nos privou do Carnaval de 2021 e ainda limitou o deste ano – ainda temos que lhe dar com esse conflito entre Rússia e Ucrânia. Inaceditável.

As cinzas colocadas nas testas dos cristãos católicos são o símbolo de um período para recordar que nossa vida é transitória. A morte é para todos. Bom momento para deixar de lado mentiras, atitudes arrogantes, fofocas, egos inflamados, raivas. Todos vamos virar pó!

Minha mãe era uma católica fervorosa e ciente da força das orações e dos seus pensamentos. Superou muitas dificuldades ao longo da vida por causa da sua inabalável fé. Acontecesse o que acontecesse, fazia questão de nos levar à igreja nessa data. Voltávamos para casa, meu irmão e eu, com aquela cruz cinza nas testas. Não tirávamos até a manhã seguinte.

Nesse ano de 2022 e com essa guerra travada em solo da Ucrânia, jamais imaginaria ter que me sentir na pele da minha avó brasileira na época da participação do meu pai na Segunda Guerra Mundial.

Ele ficou mais ou menos um ano na Itália aproveitando as poucas oportunidades para se comunicar através das cartas e postais. Esse material estava guardado. Com a sua morte, passou a ficar comigo. Para nós que vivemos na velocidade dos aplicativos de bate-papo e das redes sociais, é impensável saber que as correspondências demoravam muito a chegar ao Rio. A aflição por notícias apertavam corações e enlouqueciam mentes.

Ele arrumava um jeito, entre uma operação e outra, para enviar cartões floridos e manter os laços familiares fortes. Era um alento.

Em 26 de novembro de 1944, escreveu: “respire também, minha querida irmã, o aroma perfumado destes belíssimos cravos e a felicidade que vos oferece pela data feliz de teu aniversário”.

Meu desejo, ainda que possa ser pueril, é que essa energia de carinho do front de guerra invada a vida de todo o planeta. É o que posso pedir para esse dia dos tempos estranhos que vivemos.