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Coisas de Carnaval

Foi num Carnaval. Ninguém lembra bem qual foi o ano.

Era um domingo de folia. O pai amava Carnaval, principalmente, os blocos e as escolas de samba. Nessa época, ainda desfilavam de forma menos organizada do que hoje. Apesar das reclamações da mãe, resolveu levar a menina de 3 anos para o centro da cidade do Rio de Janeiro, onde fervilhavam os desfiles.

A filha usava uma fantasia de colombina branca com sapatilhas idem. A barra da pequena saia de tule bordada com lantejoulas tinha bolinhas pretas e brancas e guizos dourados. Na cabeça, uma tiara com mais bolinhas. Bochechas pintadas com blush rosa.

Os dois desceram do ônibus em uma área que ainda não estava fechada pelas autoridades do trânsito. O pai caminhava de mão dada com a filha recebendo, aqui e acolá, elogios pela fantasia. Na medida que se aproximavam da avenida Rio Branco mais pessoas surgiam. Bumbos, metais e pandeiros ficavam cada vez mais próximos. Resolveu colocar a menina no colo. As palavras de preocupação da mãe ecoavam na sua cabeça.

Chegou à avenida dos desfiles e conseguiu se posicionar de forma a ver o bloco O Cordão do Bola Preta. A visão da filha era privilegiada. Ela se sacolejava tanto que num dado momento pediu para descer. Ele acabou aceitando desde que não soltasse a mão dele. Trato feito, ela foi para o chão.

As palavras da mãe vaticinaram o próximo capítulo: a menina se soltou. Entrou no meio dos foliões. Tudo foi muito rápido. O pai custou a entender o que acontecia. O pânico tomou conta dele. Saiu atropelando o povo; seus gritos não eram ouvidos; recebia cotoveladas dos que queriam pular com os integrantes do bloco. O coração disparou. O chapéu de panamá sumiu em meio ao seu desespero de encontrar a filha.

Conseguiu depois de muitos empurrões e xingamentos se enfiar no meio do bloco. Achou que ali seria mais fácil achar a menina. Nem sabia bem o porquê. Foi no impulso. De sorte, que usava uma camisa de linho branco: estava em uma das cores do Cordão do Bola Preta. Ia e voltava entre os foliões em preto e branco com o rosto retorcido de aflição.

Chegou até os músicos. Num golpe de olhar, viu a filha que estava de mão dada com o cara da cuíca. Dançando ao seu jeito com um olhar de felicidade. O músico percebeu logo que ele era o pai: a menina correu, abraçou suas pernas e lhe deu a mão.

Aliviado, saiu logo do bloco. Resolveu pegar o ônibus e voltar para casa. Suava, rezava, agradecia aos céus. Sabia que levaria mais do que uma bronca da mãe. Mas, a menina estava bem.

Nascia uma foliã que hoje nem consegue bem entender que vai ter Carnaval só que não.