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Uma manhã na primavera de Lisboa

Fico por aqui, do meu canto carioca, refletindo sobre uma borboleta laranja que vi em Lisboa. Nem sei bem por que a imagem dela me veio à mente agora.

Já ia um início promissor de primavera ainda com um sol envergonhado, meio cansado de um inverno severo. Apesar do frio, que ainda teimava em não nos abandonar, começava mais um dia com aquele céu azul mais azul que o próprio azul.

Ainda não encontrei nas palhetas do Pantone um tom que represente o azul do céu de Lisboa. Se alguém souber, me conta. Gostaria de pintar o teto do meu local de trabalho com ele. Extraordinário. É daquelas coisas que só existem por lá, assim como, os pastéis de Belém da loja perto do Mosteiro dos Jerônimos,  o vinho do Porto, o bacalhau à lagareiro, o queijo da Serra da Estrela. Tanta coisa.

Descia a rua de São Paulo perto do Ascensor da Bica na direção do Cais do Sodré. Estava com uma amiga que participava comigo de um simpósio sobre Comunicação realizado pela Universidade Nova de Lisboa. Nosso apartamento era ali pertinho num prédio pequeno e charmoso do início do século 20 que ficava numa pequena e típica ladeira de paralepípedos. A ideia era ir até o Mercado da Ribeira tomar um café e depois partir para uma caminhada à beira do Tejo. Ventava um pouco, mas nada nos impediria de curtir a atmosfera lisboeta num dia de primavera.

Havíamos estudado muito no dia anterior. Precisávamos de ar na cara mesmo que com um pouquinho de frio. Na volta, com certeza, compraríamos pão artesanal de centeio em uma das filiais da “A Padaria Portuguesa” , a que fica nas cercanias na Avenida 24 de julho, bem no nosso caminho. Adoro aquela vitrine repleta de pães, de cores, recheios, grãos tão diferentes. Já é uma alegria para os olhos. Imagina para o estômago.

Caminhávamos observando tudo aqui e ali. Passávamos por sobrados característicos de Lisboa, lojas pequenas e muitas obras de restaurações de prédios antigos. Lá pelas tantas, quando atravessávamos a Praça Jardim Dom Luís ao lado do mercado, resolvi parar para fotografar. Um das minhas manias, principalmente, em viagens. Minha amiga seguiu na direção do café.

De repente, pela lente do meu celular vi uma borboleta de cor laranja pousada em um dos bancos da praça, bem na minha frente. Me aproximei. A princípio, achei estranho porque ela não voou com a minha presença. Parecia que desejava ser a modelo da foto.

Resolvi me aproximar um pouco mais e sentar na beiradinha do banco. Ela ficou no mesmo lugar. Muito estranho, pensei. “Será que está empalhada”? “Será uma pegadinha?Baixei o celular. Não me mexi mais. Só virava meu olhar na direção dela. Sempre esperando o próximo movimento. Nada. Ela ficou no mesmo local, parada como a estátua do Marquês Sá da Bandeira que fica na praça, um fidalgo português do século 19.

Reparei os tons de cores das suas asas. Eles iam do laranja mais leve, igual a mamão papaia com sorvete antes do creme de licor de cassis, até o mais forte como ao da camiseta da seleção holandesa de futebol. No meio, algumas listras pretas meio tortas e mais uns pontinhos pretos e brancos. Parecia até a estampa de um lenço de seda daqueles com grife.

Admirei sua coragem. Afinal, estava bem pertinho de um ser humano que poderia ser seu algoz. De repente, se mexeu e fez um voo curto. Mas, voltou para o mesmo ponto. Parecia que queria me dizer algo. Admirei mais ainda sua bravura. Vi como era elegante. Como se mexia com graça e leveza. E pensar que alguns dias atrás era uma lagarta feia com cores opacas se contorcendo em algum galho das árvores da praça.

Mas, seu tempo comigo se esgotou. Foi embora. Não sem antes voar na minha frente desenhando arcos e linhas sinuosas no ar.

Nesse momento, lembrei no que minha mãe dizia. Pra ela, na sua sabedoria rural caribenha, a presença de uma borboleta laranja servia para nos dar um toque sobre a necessidade de cuidar mais dos nossos entes queridos. Falava, também, que a presença de uma pequena e frágil criatura como aquela, um símbolo de transformação, seria uma chance de refletir sobre o nosso processo de se renovar sempre. Fiquei sentada que nem uma boba vendo a borboleta sumir naquele céu de de aquarela da capital portuguesa.

Em meio a esses tempos estranhos, que ainda limita as nossas vidas, nossos abraços, queria ser como ela. Me transformar e voltar para aquela praça em frente ao Cais do Sodré num dia de céu azul sem esse vírus danadinho, sem preocupação, cheia de amigos, com a minha família que por lá vive.

Voa vírus, voa. Vai embora pra sempre. Não retorne nunca mais.