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Uma descoberta de Carnaval

Chovia fraco. Resto do temporal do fim daquela tarde. O relógio rondava a madrugada.

Naldo atravessou a passarela sobre a linha de trem em um subúrbio da zona norte carioca. Só pensava em sua cama quentinha, no afago de boas-vindas de Thor, seu vira-lata caramelo. Em mais nada.

Naquela quinta-feira, ele havia passado horas organizando prateleiras de plumas coloridas, de arcos de cabeça com orelhinhas de vaca ou com chifres de diabo. Loja de Carnaval fervilha nessa época do ano.

Achou um saco preto com uma roupa de “bate-bola” no fundo do estoque. Solitária. Era em cetim vermelho e amarelo. Tinha listras e bolotas verdes e uma gola farta em tule roxo.

Há alguns carnavais, pelo menos na sua loja, ninguém mais procurava por esse tipo de fantasia que na sua infância tanto o aterrorizava. O seu bairro era repleto de grupos de bate-bolas. Saíam infernizando a vizinhança.

Criança, Naldo se refugiava atrás da saia da avó. Certa vez, graças a ela, escapou aos prantos de ser atingido pelos golpes da bola de um deles. Dona Nilza partiu para cima do mascarado com uma vassoura. Bateu tanto na cabeça dele que deixou uma mancha de sangue na máscara. Naldo não lembra de ter ouvido um único som de dor. Nunca se soube o que aconteceu com ele.

Quando atingiu um beco, onde ficavam os latões de lixo, ouviu um ruído. Logo depois, uma voz fraca.

— Por favor, me ajude. Estou preso nesse canto. Não quero mais ficar aqui. Quero ir embora.

Debaixo de um cobertor cinza em trapos, pode enxergar os pés sujos e com feridas do que ele imaginava ser um homem em situação de rua.

Mais perto, constatou que o rosto estava desfigurado. Ficou chocado com a aparência e com o odor da figura calva e sem dentes.

— Preciso chamar a Polícia e o Corpo de Bombeiros. Deve haver algum carro na ronda das ruas. O senhor está muito ferido. Não sei nem como fazer para lhe tirar daí. Pode deixar que vou lhe ajudar. Não vou deixar que fique mais tempo sozinho. Precisa de socorro.

Naldo sentiu que sua calça havia sido puxada pelo homem.

Sempre esperei por essa ajuda. Obrigado.

Acabou achando uma viatura da Polícia Militar na rua seguinte. Voltou junto com os policiais. Quando chegaram ao tal beco, Naldo levou uma bronca. Não havia ninguém no local. Foi chamado de inconsequente, moleque. E, por aí vai.

Sentou no meio fio molhado num misto de impotência e desânimo. O homem não teria forças para se locomover sem ajuda. Ficou sem entender o que poderia ter acontecido.

Resignado, tomou o sentido da sua casa na rua de cima. Lá chegando, viu um capuz de bate-bola na grade ainda úmido pela garoa e com uma grande nódoa de sangue seco. Olhou para a direita. Ao longe, enxergou um homem muito magro e nu que se afastava a passos lentos até que desapareceu na madrugada.

A máscara era igual à do bate-bola que levou as vassouradas da avó anos atrás. Ele guardou bem a imagem já que, em meio à profusão de tons sombrios, havia um desenho bem rebuscado de uma espada preta em estilo medieval abaixo de cada olho. A que estava em suas mãos era igual.

Fotos: Pixabay e Ratão Diniz ( bate-bola)