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O que fazer com a minha esperança?

Era para ser a comemoração de 80 anos da tia Isabel. Já fazia tempos que não nos víamos. Covid, pandemia, trabalho e a perigosa falta de tempo foram empurrando para frente a esperança de nos vermos de novo.

Sempre tive muito carinho e agradecimento por tudo que fez por mim. Quando minha mãe morreu, foi ela que me deu apoio e esperança para continuar até que saí de casa para estudar. Papai se foi e formou outra família logo depois. Não deixou muito espaço para mim na sua nova vida.

Troquei folgas com um amigo de escritório; aluguei um carro; deixei a chave do apartamento com a vizinha para que minhas plantinhas não ficassem sem água; dei folga para o namorado, enfim, fiz de tudo que podia e com rapidez.

Queria estar na pequena aldeia no norte antes do restante dos primos, esposas e filhos. Queria ficar com ela sozinha, abraçá-la e comer da sua comida maravilhosa, principalmente, aquele pão feito na hora com o queijo que ela mesma produzia.

O dia de verão estava lindo e quente quando saí de Lisboa. Quase quatro horas depois, parando só para fazer xixi, peguei a pequena estrada que levava à casa de tia Isabel. Achei uma movimentação estranha no caminho. Um ir e vir de gente. Não atinei do que se tratava.

Conforme me aproximava, ainda de longe, avistei o que parecia um pasto de feno ou muita palha queimada. A cada avanço, custava a acreditar no cenário. A pequena lavoura de ervas, espinafres e couve da titia já não existia mais.

Precisei parar antes do endereço dela a pedido dos bombeiros. Desci com a mente confusa, coração batendo rápido. Pensava “pobre tia. Tantos anos de trabalho e agora…..Era disso que sobrevivia.”.

Perdida nos meus pensamentos, senti uma mão no meu braço direito. “Não és a Mafalda, sobrinha da senhora Isabel?”. Concordei com o balanço da cabeça . A pessoa fez sinal para que eu a seguisse.

A casa, típica da região das aldeias, havia se tornado um emaranhado de pedras pretas e de madeiras cinzas. Fiquei sem ar.

Nem precisei fazer nenhuma pergunta. Um rapaz desconhecido me levou até o que seria o alpendre da pequena moradia, levantou um plástico preto. Reconheci minha tia pelo anel de ouro na mão direita. Anel que ela dizia que seria meu quando morresse.