Categorias:

O dia em que a vida me derrubou

Fazia calor. A umidade de uma sexta-feira do verão carioca me levava à loucura. Para aumentar o sufoco, lágrimas se misturaram ao suor. Chorei de muita tristeza e apreensão.

Tinha pouco mais de 40 anos. Estava como que subindo os degraus da vida profissional. Vivia em um vai-e-volta feliz e produtivo Rio-São Paulo-Rio. Amava meu trabalho e a equipe da qual fazia parte. Fui aos poucos ajustando a rotina e até consegui manter parte das minhas atividades de físicas em uma academia paulista. Em uma visita médica periódica,  descobri um tumor no ovário esquerdo.

 “Ah….doutor é maligno”, foram as minhas primeiras palavras. Saíram da minha boca recheadas de medo. Não sabemos. No outro sábado, tenho agenda. Vamos marcar a cirurgia logo. Fala com a minha secretária”.

Saí do consultório tentando digerir as frases do médico.

 Ops, vai tirar meu ovário; não sabe se é maligno ou não; não sabe se meu plano cobre a cirurgia; não sabe o que tenho pra fazer da vida.  Humm, tá tudo errado”.

Não falei com a secretária. Queria sair o mais rápido possível daquele lugar. Chorei baixinho até o andar térreo do prédio e peguei o primeiro táxi que surgiu. O motorista só mexeu com a cabeça com um sinal de que havia entendido para onde eu ia. Minha boca pouco se mexeu. Compreendeu meu silêncio e as minhas lágrimas que continuavam a escorrer lentas e insistentes. Nunca mais voltei nem dei retorno à proposta de internação.

Continuei chorando quando cheguei em casa. Meu marido chorou. Meu filho chorou. Estávamos derrubados.

Decidimos que eu deveria ir a outros médicos. Fiz um monte de exames de imagem e de sangue com muitos marcadores tumorais. Os resultados eram inconclusivos.

Um mês depois daquela consulta, fui operada por uma equipe montada por um médico amigo. Foi a forma encontrada para que a gente pudesse pagar. Para variar, tivemos problemas com o plano de saúde que só cobriu os custos da casa de saúde e com algumas interferências.

Da manhã para a tarde, a menopausa anunciou “me aguarda que tô chegando aí”. O cirurgião-chefe, animado com o resultado, foi me ver enquanto a anestesia ainda me deixava voando. “Olha, o tumor fez vestibular, mas não passou. Tirei tudo. Você vai ficar bem. Parece que era borderline.” E, de fato, era. Após outras análises o prognóstico foi confirmado.

Naquele instante, não entendi muito bem o que ele quis dizer. Estava zonza depois das cinco horas dentro do centro cirúrgico. Ouvia vozes ao longe e, às vezes, mais perto, depois mais longe ainda. Via luzes coloridas. Pernas paralisadas.

Fui entender depois. Havia pequenos cistos. Com receio de um agravamento, a equipe resolveu retirar não só ovário com o tumor, mas, também, o outro ovário, as trompas e o útero. Tudo se foi de uma hora para a outra.

O choro continuou mais manso durante as semanas seguintes. Foi se tornando apenas um constante fio de lágrimas. Ao mesmo tempo, os sintomas desagradáveis da menopausa foram aparecendo um por um. Foram me tirando do prumo e me obrigando a encontrar outros caminhos, outros cuidados, outras atitudes. Situações inesperadas demandam atitudes inesperadas. Bem, eu não sabia como deveriam ser. Foram se mostrando.

Não foi nada fácil. Meus pais, por exemplo, faleceram sem ter ideia do que se passou comigo naquele fim de semana que eu disse estar a trabalho em São Paulo. Precisei de acompanhamento da terapia e, claro, de uma nova ginecologista. Foram anos procurando me levantar. Sabia que da minha postura e recuperação dependia também a saúde do meu marido e do meu filho.

 Aos poucos, fui saindo de um pesadelo inesperado e doloroso.  Precisava enxergar os novos degraus da vida com mais clareza. O tombo foi grande, mas estou viva.