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O Carnaval de Salvador e eu

Energia e emoção são como um gostoso biscoito recheado. Cada uma ao seu jeito deixa um rastro de sabor inigualável na vida. Quando se juntam a um recheio inesquecível, a marca na memória é eterna. Foi isso que aconteceu comigo e o Carnaval de Salvador.

Nestes dias, enquanto via as imagens dos trios do circuito Barra-Ondina em Salvador, senti o gosto delicioso do tal biscoito recheado.  Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Durval Lelys, Xande, Léo Santana, Bel Marques e muitos outros esbanjando disposição e felicidade inacreditáveis. E o povo como aquela frase de Caetano Veloso: “atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”. Suco puro de alegria e encantamento.

Agora, vamos lá, contar a história do biscoito saboroso e a minha primeira vez nessa festa ímpar.

Há alguns anos, eu trabalhava para uma agência carioca de eventos. Fui designada para ser a coordenadora de um projeto inédito durante o Carnaval de Salvador: o “Bloco Azul TIM”, que tinha como centro da campanha publicitária de então o “Blue Man Group”. A ideia era unir os “homens azuis” a Carlinhos Brown em um trio elétrico exclusivamente criado e envelopado para fazer parte da agenda do circuito Barra-Ondina no sábado daquele carnaval.

Já contei muita coisa a respeito dessa experiência em bate-papos informais. Muitos já me pediram até para escrever um ensaio sobre esse evento inédito. Ainda, não fiz. Posso dizer que foi uma loucura que deu certo e que deixou marcas para a vida toda.

Os desafios foram inúmeros. A começar pela escolha do tipo de projeto: uma interferência dentro do Carnaval de Salvador. De sorte, o responsável pela agência já tinha muitos contatos na cidade e no meio artístico, o que ajudou. A operadora de telefonia, por outro lado, topou a empreitada. Era arriscado. No entanto, a gente sabe que o sucesso vem desse lugar do risco. “O que a vida pede da gente é coragem”, Guimarães Rosa já escrevia.

Claro, que como qualquer outro evento, os recursos não eram infinitos. Naquela vez, não foi diferente. A planilha de custos foi torturada o tempo todo para dar conta das demandas. À noite, quando tentava colocar minha cabeça no travesseiro só enxergava as linhas da planilha pulando diante dos meus olhos. Parecia que queriam mudar de lugar, saltar números, sumir e surgir em outro canto. Era como a pipoca dos trios elétricos – pessoas que não compram abadás ou camisetas e pulam atrás da corda final que envolve aqueles que pagam.

Dormia muito pouco. Quer dizer, acho que não dormi. Acordava muito antes da equipe para rever esses números e dar conta da quantidade sem par de itens: desde as solicitações oficiais e técnicas aos pedidos de convites passando pelas necessidades específicas do “Blue Man Group”. Não me pergunte a cara deles. Convivi bastante, mas eles sempre andavam escondidos por uma máscara. Eram divertidos, profissionais e encantados com Salvador e com o Brasil. Demos sorte. O nosso contato americano era incrível e paciente.

Carlinhos Brown foi um ponto certeiro. Animado, disposto a que tudo desse certo, botou seu time a nosso favor e recepcionou o plano como um príncipe. Alguém pode até dizer: “mas, ele não estava recebendo para tanto?” Sim. No entanto, por experiência, isso não é uma condição natural de um contratado. Tem gente que ultrapassa essa fronteira e se torna parceiro do evento, abraça o projeto e a equipe. Assim foi. Já o respeitava pelas canções, pelas ações sociais – fui ao Candeal e me surpreendi – pela forma inovadora de fazer percussão, pelos figurinos – naquela fase, ele os desenhava. Depois dessa experiência, passei a admirá-lo mais. Uma verdadeira e abençoada alma artística e que nasceu na Bahia.

Fazendo minhas as palavras do Milton Cunha durante a transmissão dos desfiles do Sambódromo do Rio em 2024, “a entrada de cada escola é um milagre”. Ao fim e ao cabo, lá em Salvador o milagre também se fez. A equipe foi abençoada. Afinal, a complexidade era imensa e os objetivos propostos idem.

Andei muito, trabalhei, coordenei um maravilhoso time de produção, fui pintada pelos “homens azuis”, o povo se divertiu, o trio elétrico não quebrou e o evento foi entregue com louvor. Depois dos mais de 4 km de extensão do circuito e com todos já devidamente encaminhados para os seus destinos, desabei em uma calçada à espera do transporte que nos levaria de volta ao hotel. Vitória depois de tanto perrengue e apreensão.

Chegando ao quaryo, não dormi de novo. Acordei com o rádio berrando uma hora depois da chegada à minha cama com a voz de sotaque baiano do nosso contato técnico com o trio. Queria parabenizar a equipe, saber se tudo teria corrido bem e agradecer. Fofo. Daí, levantei, tomei café e fui para rua ver como Salvador estava acordando – ou não dormindo – para mais um dia de Carnaval.

A ação foi laureada. A lista de prêmios é essa: Ampro Globes Awards 2012 (Regional Sudeste Ouro em Campanha de Patrocínio e Campanha de Construção de Marca),  Prêmio Colunistas Promo Rio de Janeiro 2011 Bronze em Cases de Marketing Promocional  e  no Festival Brasileiro de Publicidade 2011 Lâmpada de Bronze.

Agora, fico pensando que em vez de um biscoito recheado, bem que o sabor poderia ser de um  “bolinho de estudante” – pãozinho típico da culinária baiana feito a partir de tapioca ralada, côco, açúcar e canela. Adoro.