Categorias:

Na sala com os senhores da guerra

Me permitam dizer que já está bom. Chega de fogo, tiros, clarões no meio da noite, zumbido de mísseis, cheiro da morte. Chega de aviões que cortam o silêncio e cagam bombas. Chega de corações partidos, de ossos quebrados. Chega de filhos sem mãe, pai sem filhos, mulher sem marido, mães sem filhos. Senhores, já deu pra conta. Basta! Está na hora de mudar o jogo”.

Estava em uma sala branca. Tinha uma mesa oval gigante, cadeiras de espaldar alto, um mega telão ao fundo. Em pé bem perto de uma porta de ferro preto. Havia acabado de abri-la. Vestia um terno na cor de 2022, Very Perri, um lilás metido a besta. Falava em voz alta, mas ninguém me ouvia. As pessoas olhavam com muita atenção para as imagens projetadas e não desviavam o olhar. Não sabia quem eram. Resolvi falar mais alto ainda.

“Basta. Essa brincadeira já foi longe demais. Voltem para as suas casas. Voltem para os seus filhos, suas esposas, seus maridos, amantes. Ninguém suporta mais”.

Acordei suando frio com a cabeça latejando. Olhei em volta e vi uma cama vazia, um quarto escuro com roupas jogadas pelo chão. Da janela, o clarão do poste das luzes de led – a Prefeitura do Rio está trocando a iluminação da cidade – entrava em fiados pela veneziana. O ar mal saía das minhas narinas. O peito subia e descia como se eu tivesse subido e descido os duzentos degraus do Cristo Redentor dez vezes.

Não conseguia me controlar. Meu braço estava preso. Parecia que alguém ou algo me puxava. Ia e voltava do quarto para aquela sala com a mesa oval com cheiro de azedo. As pessoas continuavam sem me olhar. De repente, meus pulmões empurraram três palavras para fora da minha boca. Todos se viraram para mim com rostos que não tinham boca, nem nariz, nem olhos. Gritei: “Chega de sangue!”

Meu braço se desprendeu e atingiu minha moringa na mesinha de cabeceira. Ela se espatifou no chão. A água molhou a cama e as roupas que estavam no chão. Cacos de vidro voaram pelo quarto brilhando com a ajuda da luz da rua que entrava. Sentei na cama ainda suando muito com uma sensação desagradável.

Levantei cambaleando com cuidado para não cortar meu pé. Varri o chão e me enfiei debaixo do chuveiro. Passei uma loção de lavanda. Foi só um pesadelo.

Imagina quem sou eu para estar me metendo em uma reunião com aqueles que me pareciam ser os senhores da guerra. Nem sei bem de qual lado eles eram. Mas, a energia era essa. No entanto, as palavras que eu disse são o que eu desejo todo dia. Vamos acabar com isso!