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Flora e as borboletas azuis

Saí de casa como de costume. Com os olhos pesados, cansados, mas saí. Eram aí pelas quase cinco da manhã. Naquele horário que ninguém sabe se ainda é noite ou se já é dia. Complexo demais pensar nisso a essa hora. Desci a ladeirinha de casa e tomei o caminho da parada de ônibus. Andei o mais rápido que pude. Se perdesse aquele ônibus, outro só depois das sete. E, aí: babau! Dona Olga ia me dizer um montão de coisas.

Não tô a fim disso não. Muito chato ficar ali ouvindo, ouvindo. E, não poder dizer nada. Bem que eu queria falar, mas…. Quando isso acontecia meu coração parecia que ia pular pra fora. Meu corpo se mexia todo. Mas, ficar sem emprego não dá. Ficava calada. Apertando os lábios pra não deixar que meu coração nem as minhas palavras saíssem pela boca. Sufoco.

Sentei no banco desconfortável da parada de ônibus. As estrelinhas iam ficando cada vez mais fracas no céu. Achei que já não estava enxergando bem. De repente, uma mulher saiu do mato na minha frente. Era alta, magra, nem feia nem bonita, cabelos castanhos na bunda, soltos. Vestia azul. Não entendi bem que roupa era aquela. Parecia coisa de manto de santa. Vi uma assim na igreja da cidade. Caminhou na minha direção. Nunca havia visto essa figura nas redondezas.

– Oi, moça. Sozinha?, me perguntou

Tá vendo alguém mais aqui do meu lado? Claro, só tem eu aqui nesse horário estranho, respondi sem muita vontade responder.

– Como é o seu nome?

Não lhe interessa. Pra quê quer saber meu nome? Só faltava essa pra começar meu dia. É cada uma! Desviei o olhar em direção ao outro lado.

-Ah, bem. É que estou procurando a Flora Rosa. Tenho uma encomenda pra ela. Achei que era você…pela descrição. Mas, se não é…vou me embora. Preciso entregar essa caixinha pra moça.

A tal mulher se virou de volta para o mato e saiu caminhando bem devagar. Me pareceu desapontada.

– Epa, Flora Rosa sou eu. Como sabe meu nome?

Bem, é que a gente sabe o nome das pessoas, onde elas estão, como são, como se vestem. Faz parte do nosso trabalho. Não posso errar, sabe?, respondeu.

– Então, qual é a encomenda? Como me achou nessa hora da noite ou da manhã? Ops, nem sei mais em que parte do dia estou.

– Isso não é um problema. Encontro qualquer pessoa que tenha uma encomenda feita para o nosso grupo. Já lhe disse: faz parte do trabalho.

Enquanto falava me entregou uma caixinha transparente com um vidrinho em formato de rosa da mesma cor da sua roupa. Piscou um olho pra mim. Andou na direção do mato e se foi.

Fiquei sem saber o que fazer. Mas, curiosidade mata, né? Resolvi abrir a caixinha. Depois abri o pequeno vidro. Era água, mas uma água com sabor de uma fruta. Acho eu. Pensei que mal poderia me fazer. Tomei um gole. Gosto de alegria. Bebi mais um pouco. Quando dei por mim, a água com sabor se foi. Era muito pouco.

Continuei no banco me sentindo a mais feliz das criaturas. Lá no fundo, pensava: afinal, ter encontrado com essa mulher nesse estranho horário do dia ou da noite até que foi interessante. Nem achei que seria chato esperar mais um pouco pelo meu transporte.

Depois, aconteceu algo melhor ainda. Na parte de trás da parada de ônibus tinha um rio. Me virei e vi um monte de borboletas azuis passeando sobre as águas. Lindas. Resolvi acompanhá-las. Tirei meus sapatos, fui até beiradinha e ali fiquei sentindo o frio da água. Relaxante. Senti o friozinho, um arrepio que subiu pela espinha.

Ao longe, no sentido da cabeceira do rio, vi algumas pessoas que caminhavam dentro do rio. Todas vestidas de azul como aquela mulher. Cantavam não sei o quê. Não me importei. Tudo era muito bom. Tava até torcendo pra que o ônibus demorasse mais. Será que iria encontrar de novo a tal mulher ?

Floraaaaa! Floraaaa! Tá a fim de ser demitida? Já são 7 horas. Sabia! Sabia que esse negócio de sair no meio da semana pra encontrar a turma do sarau não ia prestar. Bebeu o quê?

Minha mãe berrava e socava a porta do meu quarto com muita força. Com os olhos fechados continuei procurando aquele bando de gente vestindo azul. Cadê minhas amigas borboletas azuis? Cadê?