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Dos meus cabelos e das diferenças

“Os dedos das nossas mãos são diferentes. As pessoas também”. Vire e mexe lembro dessas palavras da minha mãe. Elas me impactam ainda mais quando percebo a impaciência com a qual são tratados os diferentes, seja qual for a razão, por aqueles que se acham iguais.

Sei que é difícil enxergar a diferença e, por outro lado, aceitar que ela exista. No entanto, nada justifica que não se compreenda o conceito e o acolha como princípio de vida. Respeito é ótimo e todo mundo gosta e merece.

Fui uma menina muito magra de pernas compridas. Claro, meu irmão me chamava de Olívia Palito. Para os mais novos ou para quem não lembra, ela foi uma personagem clássica das histórias em quadrinhos e, posteriormente, dos desenhos animados. Era a eterna namorada do marinheiro Popeye. Sua figura esquálida fazia jus ao apelido.

Além do tipo físico, tínhamos mais um detalhe em comum: um coque na base da nuca. Meus cabelos eram longos, ondulados, grossos, cheios. Quer dizer, vivia com eles presos em duas tranças ou com o mesmo tipo de coque. Brincadeiras, corridas na rua eram um verdadeiro problema para deixá-los limpos.

Minha mãe os tratava como joia. Tinha um pente de madeira com dentes grandes para desembaraçá-los sem machucar meu couro cabeludo. Fazia massagem com azeite e gema de ovo ou com óleo Jonhson e babosa, por exemplo. Imagina como era para retirar e enxaguar essas misturas. Acho que a água da caixa da pequena casa de subúrbio quase acabava para dar conta da cabeleira. No entanto, nunca sofri com os piolhos – comum na minha escola – e sempre era elogiada pela juba negra.

Quando a Rita Lee surgiu para mim, queria ter os cabelos dela. Me dava o sentido de ser livre e ter mais tempo para outras questões que não fosse tratar dos cabelos. Já na adolescência, eles foram alisados com uma pasta fedorenta. Valia a pena o incômodo: pude usá-los soltos ou em um rabo de cavalo.

Mas a liberdade só veio quando passei a nadar por causa da escoliose. A touca de natação não segurava aquela quantidade de fios negros. Sempre caiam na minha cara. Acabava levando bronca do professor já que perdia o rumo dentro da piscina.

Um dia, aquele monte de cabelos se foi. Ficou no chão do cabeleireiro. Dali, fui experimentando cortes diferentes e sempre curtos. Tenho preguiça de arrumá-los até hoje. Acho que minha paciência ficou nas tardes que passei sob os cuidados da minha mãe.

Por que comecei a falar em diferença e acabei descrevendo a saga de infância com meus cabelos?

Sigo alguns perfis nas redes sociais de mulheres que recuperaram seus fios naturalmente crespos, ondulados ou cacheados depois de longos anos. Retiram toda a química do alisamento, mudam o corte e soltam os cachos e as ondas. Assumem a diferença. Percebem que há espaço para todas mesmo que muita gente não consiga entender que ser diferente não é um problema.

O problema é não entender que os dedos das mãos não são iguais.