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Depressão rima com arrumação

Um mundo cinza, eternamente cinza, é aterrorizante. “Cariocas não gostam de dias nublados” (Adriana Calcanhoto), né? Hoje, confesso que, às vezes, me dá até um “sei lá o quê”. E, me pego curtindo o movimento do mar do Leblon num dia nublado e das nuvens se encontrando lá longe numa imensidão de cinzas. Chega a ser reconfortante. Gosto da cor cinza, mas, nem sempre foi assim.

Custei muito a entender o que era depressão, aquele mundo cinza profundo, sem graça, sem luz. Acho que só no período pós-parto consegui começar a realizar os sintomas de fato. O sobe e desce da montanha russa de hormônios aliado aos mil cuidados com o bebê já são um porrete na cabeça de qualquer mulher. Isso sem contar com as mudanças corporais, o leite que sai ou não sai, o corte da cesariana, o sono que parece maior do que do recém-nascido. É um carrossel de emoções, medos, dores e desafios.

Quando tive a depressão pós-parto, o tratamento foi “deixar de amamentar e se concentrar em todas as outras tarefas”. Não me pergunte se eu deveria ou não ter sido medicada. De verdade, a recomendação médica me ajudou. Não porque tivesse tido dificuldade com a amamentação. Tinha muito leite e o bebê mamava bem. A questão é que tanto meu marido como eu não tínhamos muito apoio operacional. Fazíamos de tudo. Ele, além disso, fazia doutorado. Era coisa demais pra duas pessoas inexperientes aprendendo a serem mãe e pai.

Eu estava desempregada. Sem saber como acertaria a minha vida profissional e econômica dali em diante. Assim, com tanta coisa para dar conta, roupas e casa para arrumar, fui me distraindo, fui esquecendo os sentimentos depressivos. Quando voltei às aulas de balé clássico, pouco mais de 4 meses após o nascimento do meu filho, o cinza foi saindo da frente dos meus olhos. Atividade física é fundamental!

Pulseiras arrumadas depois de um dia que ia ficando cinza.

Dali em diante, todas as vezes que uma tristeza acima do que eu achava natural queria se instalar, saia arrumando gavetas, armários e estantes da casa. Além disso, como fui figurinista e produtora de moda e de estilo durante muitos anos, arrumava também meu acervo. Tudo ficava em caixas separadas e com etiquetas. Pulseiras com pulseiras, brincos com brincos, lenços com lenços. Era ótimo porque facilitava o dia a dia de trabalho. Quando surgia alguma demanda, conseguia me organizar rapidamente.

Não encarava, e, não encaro, esse tipo de tarefa como uma mania ou um peso na minha rotina doméstica. Era mesmo uma forma de organizar as gavetas externas e, ao mesmo tempo, organizar as internas. Cada vez que conseguia criar um processo de organização mais óbvio, inovador e ágil, minha emoção ganhava uma estrelinha dourada.

Ficava superfeliz quando encontrava rapidinho um par de óculos com aro branco tipo anos 1960 para alguma foto ou filme. Sentia poder sobre mim mesma. Tudo isso aconteceu muito antes dessa onda de personal organizer. Não era esse o meu objetivo.

Verdade que passei por fases mais complicadas quando o tema é depressão. Em um deles, precisei ser medicada. As gavetas internas ficaram bagunçadas demais. Nessa época, meu lado de me auto-organizar a partir das gavetas externas não deu conta.

Mas, me recuperei. Saí desse baú de roupas velhas, usadas e poeirentas nas muitas tonalidades do cinza. Consegui tirar do fundo desse baú, o meu livrinho interno com dicas de arrumação. Estava meio escondido entre sedas opacas e tricolines rasgadas. A partir de então, ele está sempre a postos. Não sai mais da minha estante emocional interna.

Arrumação de fato rima com depressão. Se ela ou uma tristeza profunda pensam em aparecer, caio na arrumação. Arrumo, arrumo, arrumo até que elas desapareçam. Depois disso, até o cinza sem graça fica azul.