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Da literatura e da doença

Já andei contando que fui derrubada por um ser minúsculo e silencioso: o mosquito Aedes Aegypti. A dengue me tirou de campo durante duas semanas.

Por uma interessante sinergia, estou relendo “Sagarana” de Guimarães Rosa. O livro é tema central de uma oficina que o autor, compositor e tradutor Bráulio Tavares está ministrando pelo Instituto Estação da Letras. Espetacular.

Não pude deixar de rir, chorar e de me espantar com a nossa leitura da vez,  “Sarapalha”. Segundo os estudiosos, esse é o conto que Guimarães Rosa menos gostava. Mais para frente, quem sabe, vamos saber o porquê.

“Ela veio de longe……Cada ano avançava um punhado de léguas, mais perto, mais perto, pertinho, fazendo medo no povo, porque era sezão da brava – da “tremedeira que não desmontava” – matando muita gente”. Logo no início, a gente já fica sabendo que era a malária que ainda hoje prossegue fazendo vítimas e doentes nos rincões brasileiros. O conto é do final dos anos 1930 do século passado.

Dois primos sentados à beira de um riacho comentam sobre a vida, o local, os amores, o abandono e a tal da doença. Doença que ceifou vidas e, agora, atinge os dois. Febre. Tremedeira. Calafrio. As reações provocadas pelo quinino, usado para tratar a enfermidade. Falta de força até para pensar. A morte à espreita.

Enquanto lia, sentia a revolução interna que o mosquitinho maldito da dengue provocava nas minhas veias, músculos e órgãos. Me solidarizei e muito com os primos Ribeiro e Argemiro do conto que sofrem com outro mosquito, o da malária. A sensilbilidade e a clareza do autor são tamanhas que, às vezes, eu achava que o desconforto e dos personagens eram uma montanha diante do que eu estava passando.

Na minha recuperação, as frases e as figuras do livro me transportaram para aquele brejo abandonado. Parecia que enxergava os dois conversando e se lamentando. Para mim, foram dias de dores pelo corpo mais vômitos, cabeça zonza e uma moleza que parecia não ter fim. Fiquei febril por pouco tempo, o que, segundo os médicos, foi bom. Demorei a ficar sem esses sintomas. Me curvei diante do poder do mosquitinho.

Perdi aulas, treinos, trabalho e encontros.  Às vezes, nem sabia direito quem eu era. Logo eu que amo esporte, movimento.

A dengue me mostrou que não sou nada. Sou um ser que faz parte da cadeia natural do mundo que pode ser aniquilado por outro ser que não pesa nem 2,5 mg. Não fosse o atendimento de emergência e dos médicos sei lá como estaria agora. Foram tempos difíceis.

Foi ótimo ler Guimarães Rosa durante a volta ao meu ambiente sem dengue. Me ajudou. Bons textos e boa literatura sempre ajudam. “…..Mas, meu Deus, como isto é bonito!” (Guimarães Rosa)