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Conversa de táxi na época da Páscoa

Das vibrações positivas que a Páscoa traz me apego à reflexão sobre o reencontro. Não só comigo mesma, mas também com tudo que foi abandonado de uma hora para outra em março de 2020. Até mesmo, das situações que não eram assim tão agradáveis, mas eram possíveis.

Essa retomada tem me feito muito bem. Me sinto agradecida a cada abraço, sorriso ou conversa ao vivo. Ando tão grata por esse período de reencontros que me alegro até com o trânsito mais pesado de um fim de tarde.  Outro dia, me peguei conversando com um motorista de táxi sobre isso em meio a um daqueles engarrafamentos sem algum motivo aparente. Sou daquelas que bate papo, faz pesquisa e escuta os casos dessa categoria.

Ele reclamou muito sobre a quantidade de carros nas ruas, o preço dos combustíveis, a chuva que ia mostrando sua cara, a concorrência dos aplicativos, os ônibus sem manutenção, a falta de educação dos colegas. Lamentou até o preço alto que eu iria pagar por causa do congestionamento.

Ouvi tudo em silêncio. Percebi o quanto ele estava angustiado. Acho que ninguém lhe dava atenção. Os passageiros ficam presos às telas dos celulares e nem olham para quem está ao volante. Às vezes, nem cumprimentam.

Usava máscara e tinha uma cópia da carteira de vacinação completa colada no painel do carro. Me disse que já estava nas ruas dirigindo há mais de 30 anos. Era da turma das antigas. O veículo era relativamente novo, bem cuidado. Prosseguiu dizendo que um cartão de crédito pagava o outro e que ajudava na educação do neto: seu filho estava ainda desempregado. Enfim, mais um brasileiro na batalha diária. E eu em silêncio olhando para as nuvens cinzas que se organizavam cada vez mais rápido.

Em determinado momento, ele parou de falar. Depois, me pediu desculpas. Achou que estava me importunando com seus desabafos. Se calou de novo. Fiquei por um instante pensando o que dizer. Não queria ser grosseira ou desatenta com ele.

– Me diga uma coisa, senhor. Consegue se lembrar como tudo estava há dois anos? Ruas vazias, pessoas trancadas em casa, inimigo invisível, médicos apavorados, autoridades batendo cabeça, mundo sem espaço para enterrar os mortos. E a gente perdida. Medo, muito medo. Sei que sua situação é difícil, assim como a de muitos. Mas, acho melhor ficar aqui parada nesse engarrafamento e viva. O que acha? Me desculpa se fui dura, sincera, mas...nós dois sobrevivemos, – falei.

A conversa parou. Achei que havia pegado pesado. Senti um aperto no coração. No entanto, é assim que eu penso. Cheguei até aqui viva. Procuro reencontrar o meu caminho. Precisava passar para ele essa reflexão. Mesmo de maneiras diferentes, todos nós estamos tentando retomar o rumo das nossas vidas.

Na chegada ao meu destino já com a chuva desabando, completou:

– Obrigado, moça. Não tinha ainda olhado assim. Tô vivo, minha mulher, filho e neto também. Não estou doente. Tô vacinado. Posso trabalhar, passar no supermercado e levar comida pra casa. Boa noite.

Nada com um engarrafamento para fazer a gente pensar melhor no que vida nos apresenta.

Acho que é um bom período para pensar nesses assuntos: retorno, retomada, reencontro e ressureição.

Boa Páscoa!