Categorias:

Aconteceu no jardim

Parecia que ele ia vir com tudo pra cima dela. Por um instante, o mundo parou dentro daquele jardim. Silêncio.

As roseiras foram empalidecendo. A pequena fonte passou a gotejar. Os pardais sumiram, assim como, as formigas que haviam invadido o canteiro do pé de laranja. Até o pequeno “Chocolate”, um vira-lata que o nome já diz como era, se escondeu atrás da pilastra da varanda. Mudo. De longe, só dava para ver a ponta do seu rabo pintado de dourado.

O gato “Sapiron” subiu no telhado de fato. Se abaixou. Parecia que não queria ser visto. De longe, a tartaruga “Didi”, enfiada debaixo de uma toca de pedra bem funda, abria e fechava os olhinhos. Logo, logo, se retraiu para dentro da sua casa-casco.

 O céu, ah….o céu, foi ficando cada vez mais estranho. Era esperado que ficasse cinza até se tornar negro, não é? Só que o sol da manhã de outono não deixava que aquele azul de caixa de lápis de cor sumisse.

Do lado de fora da cinquentenária casa de subúrbio, um carro preto freou. O motorista, um senhor alto com uniforme da companhia de luz, desceu para entender o clima que ia tomando conta do jardim. Fincou os olhos atrás dos óculos por entre a grades. Atento a todo movimento dos personagens.

Começávamos a entender que talvez tudo aquilo que se acontecia ali já estava ultrapassando as fronteiras do terreno. Do contrário, por que o senhor uniformizado teria parado? Como saberia? Agora, já diante do portão verde, ele tentava olhar cada vez com mais atenção a cena que havia se formado naquele palco.

De cima de um dos pés de mangueira do vizinho, com a respiração suspensa, meu irmão e eu acompanhávamos o desenrolar do roteiro. O que fazer? Deveríamos gritar? Ou ficar mudo seria a melhor solução? Essa era a dúvida.

Não conversávamos entre nós. Mas, sei que era isso que passava pelas nossas cabeças. Além do mais, era preciso nos manter firmes sobre os galhos sem que eles se movimentassem. Seria um desastre a mais caso desabássemos lá de cima.

— Custódio, o que é isso? Enlouqueceu? Vamos parar com isso. Deixa a Tininha em paz. Passa fora, já!

Nesse exato momento, a vara de goiabeira cantou em cima do ganso Custódio. O som ecoava no ar. Baixou as asas e correu em direção ao quintal. Ele já estava conosco há algum tempo. A convivência era tolerada por todas as partes. Às vezes, ele voltava seu bico com dentinhos afiados para um de nós. Não gostava que amarrássemos fitas coloridas no seu pescoço fino.

Nesse dia, minha irmã de três anos quase virou saco de bicada dele. Brigar com ganso não é para qualquer pessoa. Minha mãe foi uma heroína.