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A descoberta da pandemia

Das muitas questões que essa pandemia me trouxe, uma delas foi me mostrar que não me conhecia. Ou, ao menos, não me conhecia tão bem. Meus olhos enxergavam outra pessoa. Me percebia outra pessoa. Me jogo nessa reflexão cada vez que assisto ou leio algo a respeito das mudanças que nos foram impostas nesse último ano.

Li, uma vez, uma nota no jornal impresso – sim, mantenho uma assinatura de mais de 20 anos de O Globo e depois continuo lendo as notícias digitalmente em outros veículos – sobre o cancelamento da participação da atriz Araci Balabanian em uma nova novela da TV Globo. Motivo: ela tem 81 anos.

Mesmo com todos os cuidados sanitários, os riscos para sua saúde por causa da Covid-19 pesaram na decisão. Lembrei de suas grandes participações na tevê. Como esquecer o papel de Dona Armênia em “A Rainha da Sucata” (1990) ou o de Cassandra na série “Sai de Baixo” (1996-2002)? Para quem curte dramaturgia, entretenimento, bons personagens e excelentes interpretações é impossível não lembrar. Grande atriz. Imagino como deva ser para uma artista, que passou a vida dedicada à arte de representar, estar vivendo esse momento de impedimento que vem de fora. Não vem da sua vontade.

O país já passou do assustador número de 300 mil mortes. Caminhamos para o mais tenebroso número de 400 mil vidas levadas nesse pouco mais de uma ano de pandemia. Ainda faltam vacinas. Falta um plano de imunização coerente, gestão coordenada em as várias esferas governamentais, atendimento hospitalar correto, oxigênio, leito de UTI e, principalmente, vontade de encarar de frente essa pandemia que insiste em ficar entre nós. Faltam cuidados corretos com as pessoas, entre elas, o tal grupo de risco. Grupo do qual faço parte.

Já refleti sobre o dia que descobri que pertencia ao “tal grupo de risco“. Há um ano, mais ou menos, recebi um e-mail da academia informando que no retorno às atividades eu não poderia voltar. Afinal, sou do “tal grupo de risco”. Me revoltei! De nada adiantou: guardei a revolta na caixinha das minhas tristezas.

Sempre achei que cuidando da minha saúde, da minha alimentação e da minha cabeça poderia atravessar com mais tranquilidade a chegada dos anos, da maturidade e da velhice. Me foquei nesse mantra desde a juventude. Gosto da vida. Gosto das pessoas. Gosto de me sentir bem.

Enfrentei problemas com a saúde, com a depressão, com o desemprego, com a falta de grana. Em todas essas fases, esse mantra, que até, às vezes, sumia da minha mente, voltava. Ainda bem. Me manteve, e me mantém, ligada na vida.

Com esse vírus danadinho, tudo mudou. Hoje, penso cada vez mais como ele me fez cair na real. Não sou mais essa pessoa que pensava que estava com o controle da vida nas mãos. Minha vida está sendo regulada por ele. Meu dia a dia precisa ser mais recluso: está sob o comando da possibilidade de contágio e das medidas de proteção sanitária. Saio pouco de casa. Saio para questões específicas, como ir à fisioterapia ou ao supermercado. Mas, nunca se sabe se, de uma hora para outra, tudo vai mudar, se vamos ter que nos trancar mais ainda cada um no seu cantinho.

Voltei vagarosamente à academia. Ainda não consegui recuperar minha rotina anterior. Até porque me machuquei. Acho que os quilos a mais que surgiram por causa da parada de 2020 foram um dos motivos da lesão no pé. É bem verdade, que não parei com as aulas de Pilates que passaram a ser on line na semana seguinte à decisão sobre o confinamento no ano passado.

Mas, como sempre fui muito ativa, sinto falta das longas caminhadas pelo Centro da cidade, por exemplo. Há algum tempo, já estava conseguindo caminhar na areia da praia ou no calçadão. Mas, a fascite plantar, por hora, me impede de todas as manhãs me esbaldar com a beleza do Rio. Era o meu momento de meditação ao ar livre.

Claro, sinto falta dos meus amigos, dos papos ao vivo, dos jogos do Flamengo no Maracanã. Sinto falta das viagens, de sentar em uma mesa de um café. E ficar ali bem quietinha vendo o vai-e-vem das pessoas, imaginando como é a vida de cada uma delas.

Vivo como se as possibilidades mentais e as vontades criativas tenham ficado paradas no ar por causa da pandemia. Descobri essa outra pessoa dentro de mim. Precisei entender que já não sou como era. Estou refazendo os planos de voo. Só assim tenho força para encontrar um caminho lateral nessa estrada da qual amo tanto: a vida!