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A confissão

Levei um susto quando soube que Kiko iria casar. Da última vez que estive com ele, há um ano, me disse que estava de mudança para Portugal, que iria tentar a vida como barman. Nem tive tempo de comentar.

O encontro foi rápido, perto do escritório. Ele sempre soube da minha predileção pelo capuccino dessa cafeteria. Achei até que estaria à minha espera. Estava bem vestido como era de seu costume, tinha um sorriso largo. Os cabelos pareciam mais longos. Me cumprimentou e foi logo contando sobre mais uma das suas decisões de vida que pareciam sempre definitivas. Eu fui testemunha de várias. Cheguei a embarcar em algumas por cegueira. Melhor, por burrice mesmo. O amor tem dessas.

Desse dia em diante, não soube mais dele. Não tínhamos amigos em comum. Cheguei a conhecer alguns dos tempos de colégio. Eram de pouca conversa e se achavam acima de tudo. Lembro que fixaram o olhar na minha única e pequenina bolsa de grife na noite em que fomos apresentados. Acho que não imaginavam que eu poderia comprar algo assim, mesmo que em prestações. Ri sozinha comigo mesmo.

Sei que Kiko nem sacou o desconforto da sua turma e das suas respectivas namoradas com a minha presença. Pode também não ter levado a sério. Ele sempre foi uma pessoa leve e de bem com todo mundo.

Devem ter pensado de onde teria saído aquela garota desconhecida com cabelos cacheados e volumosos. Ou, o que eu estaria fazendo em um evento como aquele. Me chamou a atenção que as mulheres pareciam que frequentavam o mesmo cabeleireiro, iam à mesma dermatologista, compravam na mesma loja de Nova Iorque ou Paris.

Só sabia da existência dessa galera por causa do Kiko. Naquela noite, ele fez questão de me apresentar como a melhor advogada criminalista do mundo. Eu morri de vergonha.

Não me deixei levar por essa sensação de desconforto porque estava achando tudo lindo. A decoração parecia de um sonho toda em vários tons de rosa, lilás e branco. Muitas flores, velas, cristais pendurados em estruturas no teto de um salão imenso. Espumante à vontade em longas taças. Ficamos no jardim, curtimos a festa, nos beijamos e dançamos muito. O DJ era top, daqueles internacionais.

Só saímos de lá com o nascer do dia para o apartamento dele. Como sempre vi mais estrelinhas brilhantes do que o céu tem. Kiko realmente fez de tudo para me deixar feliz. Eu sempre me sentia a mais sortuda e a mais amada. Não consigo esquecer.

Um dia, outra decisão definitiva de vida. Dessa vez, o destino era o Alasca para uma expedição com duas amigas da universidade americana onde ele quase completou o mestrado. Eu era convidada a dividir a viagem com ambas. Não deu para mim. Tudo acabou.

Hoje, pela manhã, recebi um convite de casamento. A noiva, pelo sobrenome, lembrei de onde conhecia. Era uma das que estavam na tal festa como namorada de um daqueles caras antipáticos.

No cantinho inferior, havia uma frase escrita à mão com a letra inconfundível: “Querida, vou casar. Mas, tenho que confessar. O amor da minha vida é você para todo e sempre. Não se esqueça. Ass. Kiko”