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A caixa de sabonetes

“A senhora tem sete dias pra entregar a casa. Nem mais, nem menos. Não nos obrigue a chamar a polícia.

Apesar do horário, o sábado de Norma terminou naquele momento: com um comunicado simples, direto. Fazia uma tarde bonita no subúrbio carioca do Méier. A vila ficava em uma rua tranquila, arborizada e com uma vizinhança que se conhecia há tempos.

A construtora já havia derrubado algumas das moradias do local. Agora, havia chegado a sua vez. Norma sempre imaginava que esse dia nunca faria parte da sua existência. Mantinha a esperança. Afinal, eram vinte e cinco anos no mesmo lugar. Sem preocupação ou papel. Tudo de boca. Foram vinte e cinco anos de confiança.

Mas, essa cena inesperada do despejo se tornou real. Bagunçou seu restante de dia. Desistiu de ir à missa na igreja do Sagrado Coração de Maria. Abandonou a ideia de visitar a prima Marilda. Largou de mão o convite para o chopp tradicional de um sábado pré-Carnaval.

Caiu no sofá da sala. Sem forças. Não conseguia pensar em nada nem tampouco se mexer. Sentia como se algo a empurrasse para baixo que lhe impedia mesmo os movimentos mais simples como se abanar por causa do calor de fevereiro. Era um bloco de mágoa e tristeza.

As horas se arrastaram. Quando os pardais da árvore próxima à sua janela começaram a piar, percebeu que a madrugada estava se despendido. Mesmo assim, se manteve no mesmo lugar. Paralisada. Sem lágrimas.

Mais tarde, já pela manhã,  com dor pelo corpo todo, se levantou de uma vez só. Foi como se tivesse levado um choque. Se dirigiu para o único quarto da casa.

Colocou abaixo tudo o que havia no solitário armário de madeira escura do cômodo. Pisoteou as roupas, quebrou cabides, espelho. Arrancou todas as peças que estavam nas gavetas. Rasgou com os dentes cartas, boletos antigos. Tudo ficou em pedaços.

Em meio à bagunça, avistou a caixa de sabonetes. Nem sabia há quanto tempo estava ali. Melhor nem lembrava que ela ainda estava entre as suas coisas. Relutou, mas acabou abrindo. Perfume já não havia, apenas um solitário sabonete ressecado e sem brilho.

Mas, encontrou o pequeno pedaço do pano da camisa lilás de Gilberto, lembrança da primeira de muitas noites de sexo, de juras de amor, de fidelidade.

Aquela casa era o que ele havia prometido deixar mesmo que os dois nunca mais se vissem. Era uma promessa até depois da sua morte.

O choro transbordou: “Porra, Gil, a grana do terreno vale mais que eu? Agora, pra onde vou?”

A esperança também ficou em pedaços.