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Uma geladeira e um vazamento químico

Tudo o que a gente queria era somente achar uma geladeira que coubesse direitinho na pequena cozinha do meu filho e da minha nora. Os dois vivem na Alemanha. Sim, a cozinha tem quase 6 m² medida com boa vontade. Tudo que existe dentro dela é minuciosamente pensado e escolhido. Até o tipo dos recipientes de lixo foram selecionados com essa premissa de pouco espaço.

O imóvel está no quinto andar de um prédio antigo sem elevador. Ou seja, móveis e aparelhos não podem ser muito pesados. A entrega a domicílio custa caro. O apartamento fica naquele espaço que deveria ser somente o telhado ou o sótão. Aliás, tipo de habitação bastante comum por essas bandas do mundo.

Adiamos o que pudemos a ida a uma grande loja – centros comerciais e shopping centers não ocupam o metro quadrado central e caríssimo das médias e grandes cidades europeias – devido à agenda na Itália.

Portanto, é preciso se deslocar um pouco mais para encontrar espaços comerciais que concentrem debaixo de um mesmo teto uma boa oferta de produtos de diferentes marcas e preços. Escolhemos uma loja que fica a mais ou menos 10 km de distância. Para a noção de distância no Brasil não significa nada, mas para a Europa sim.

Demos sorte. Achamos a geladeira ideal para o único lugar possível, com a quantidade de litros idem e, claro, com um preço pagável. E, melhor havia duas na cor branca no estoque.

No meio tempo entre fechar a compra e o pagamento, minha nora recebeu inúmeras mensagens a respeito das sirenes que tocavam na região central da cidade. Avisos online da polícia pediam que os moradores não saíssem de casa. Havia algo no ar que ninguém sabia bem o que era. O único dado inicial: era perigoso.

Trens, trams (tipo o VLT do Rio), ônibus pararam de circular. Lojas fecharam. O trânsito embolou com gente que queria voltar para casa e com gente que queria sair na zona urbana.

Nós, que estávamos longe, continuamos no nosso processo de colocar a tal geladeira na velha perua 1998 diante do armazém da loja. No entanto, as mensagens continuaram a chegar sem explicar o que de fato estava acontecendo.

Diante da dúvida, meu treinamento jornalístico me fez buscar no Dr. Google o principal veículo local de imprensa. Traduzi – meu alemão ainda falha muito – e não deu outra: Vazamento de substância química de um container no porto para a cidade. Há risco de contaminação, informam as autoridades policiais. Fiquem dentro de casa e fechem as janelas. Nuvem tóxica pode se espalhar por 150 km.”.

Coração aos pulos. Nariz sentindo um cheiro de enxofre no ar. Cabeça rodando. Tentamos voltar para dentro da loja. Já estava fechada. Só nos restava ficar no carro com vidros fechados e sem usar o ar-condicionado.

Num lampejo de razão, resolvemos nos afastar o mais possível rumo ao sul da região – os ventos sopravam para o norte – e arrumar um local seguro dirigindo a 120 km/ hora. Já contei por aqui que a velocidade permitida – e, porque não dizer, esperada – nas autobahns da Alemanha é alta.

Meu filho lembrou de um restaurante português a mais ou menos 15 km em outra pequena cidade. Linda. Um oásis. Mesmo sem reserva, conseguimos uma mesa. Continuamos a seguir as notícias via o celular e as mensagens dos amigos. Voltamos para casa depois de meia-noite.

Ruas vazias e sirenes soando aqui e acolá. Mas, o estado de emergência já havia cessado. As autoridades controlaram as chamas e a nuvem tóxica. No entanto, permanecia o estado de muita atenção já que os  bombeiros e os especialistas em vazamento químico – aqueles que andam com máscaras, macacões amarelos ou vermelhos, botas altas – iriam tentar abrir o container durante a madrugada com 200 barris de hidrossulfito.

Não sabemos como tudo terminou. Desmaiamos na cama de cansaço.

Ninguém mais falou muito mais sobre o tal evento. Nem sei se o tal container foi aberto e inspecionado. Alemães gostam de segredos.

Subimos a geladeira no dia seguinte: fizemos um esforço conjunto. Pesa somente 30 quilos.