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O presidente Putin no Maracanã

Please, Mr. President Putin, follow me”! (Por favor, Sr. Presidente Putin, me siga). Vladimir Putin, presidente da Rússia, ouviu essa frase dos meus lábios. E, não só ele como sua comitiva e o intrigante “homem da mala”, que sempre estava ao seu lado, me seguiram.

Vamos voltar a 2014. Já estávamos há alguns meses vivendo a intimidade, os fantasmas e os desafios de realizar a segunda Copa do Mundo de Futebol no Brasil e no Maracanã. Nossos dias eram longos. Eu fazia parte de uma fantástica equipe multitarefa que conviveu bastante tempo dentro do estádio.

Meu time do Protocolo – que começou com 4 pessoas, incluindo eu, e depois recebeu mais 5 integrantes – era responsável por organizar a presença, receber e acomodar presidente, primeiro-ministro, reis, rainhas, príncipes, sheiks, ministro, embaixador, governador, prefeito, jogadores de futebol, artistas, atletas, enfim, convidados FIFA, CBF e do Comitê Organizador Local do evento.

Além disso, orientávamos os serviços de alimentação, recepção, segurança, atendimento, limpeza, checagem de convites e de ingressos de todas essas pessoas e seus acompanhantes. Outra tarefa era receber alguns desses Vips, inclusive da Fifa, nos aeroportos internacional e doméstico e na base aérea no Rio de Janeiro no Galeão. Era um “olho no padre e outro na missa”. Era rodando pratos como um chinês equilibrista de circo.

Em uma conversa sobre atendimento, por exemplo, tivemos que orientar a equipe do bufê a receber a nutricionista do presidente da África do Sul. Foi mais um motivo de tensão levando em conta que era para uma final de Copa do Mundo. As restrições alimentares dele eram muitas. A responsável pela comida dele quis entrar na cozinha, o que não era permitido.

Usamos todas as nossas técnicas de relações públicas e produção e, claro, tivemos muita, mas muita paciência. Qualquer deslize poderia se transformar numa crise diplomática. Depois de muito papo, conseguimos chegar a um denominador comum. No dia da final, ele não comeu quase nada.  Muito barulho por nada.

Todas as equipes das autoridades e dos soberanos faziam esse mesmo tipo de visitas técnicas às instalações para conhecer as condições de atendimento e de segurança do estádio.

No caso russo, tivemos também uma prévia reunião externa com os responsáveis pela vinda e segurança do Presidente Putin. Até porque haveria no Maracanã, antes do jogo final, uma cerimônia protocolar da Fifa. “Hands over” é o momento quando um país passa o bastão da realização do evento para o seguinte. O Brasil entregou à Rússia a incumbência e a responsabilidade pela próxima Copa do Mundo de Futebol realizada em 2018.

Reunião e tensão rimam mesmo muito bem neste caso. Sala grande, mesa oval e muita gente. O chefe de segurança russo fala em russo com uma pessoa da embaixada russa no Brasil que fala em inglês com a nossa equipe local. A equipe responde em inglês. Ele traduz.

Aí, o chefe da segurança fala em russo novamente. E, depois, ele traduz de novo. E assim prosseguia a reunião. Os pedidos foram muitos. Na sua maioria, estavam fora do que já havia sido negociado anteriormente pela equipe brasileira do comitê, pelo Itamaraty e pela Polícia Federal.

A reunião terminou sem terminar. Ficou combinado que a sua continuação seria numa daquelas visitas técnicas ao Maracanã com a minha equipe no dia seguinte.

O representante da comitiva e o da embaixada russa e mais 2 seguranças se atrasaram. Além disso, quiseram entrar pelo portão oeste em frente à estação do metrô Maracanã. Isso não era permitido por questões de checagem e segurança. Precisaram caminhar pela rua Eurico Rabelo na lateral do estádio até a entrada leste onde está a estátua do Belini. Andaram bastante. Ali ficava o portal de detecção de metais em dias de visitas técnicas e de inspeção.

Pra começar, os russos não queriam seguir uma rota interna pré-aprovada pela gerência do estádio e pela Polícia Federal para chegar à área vip. Queriam passear por dentro do gramado que, a essa altura, estava sendo preparado para a grande final. Não rolou! “It’s a question of security, sir. Sorry!” ( É uma questão de segurança, senhor. Desculpe),  disse eu. Ficaram emburrados em russo. Cá comigo eu só pensava: acho que teremos problema!

Essas foram as únicas palavras que trocamos em inglês até chegar à tribuna vip: era uma longa caminhada. Quando finalmente chegamos, se juntaram num cantinho falando em russo. De repente, percebi que o tal chefe da comitiva – já o conhecia daquela reunião externa – que só falava russo começou a conversar em inglês.

Sabe, me subiu um fogo interno de indignação. Me achei uma palhaça na frente daqueles 4 caras. Estavam fazendo a nossa equipe de boba.

Precisei me controlar. Respirei fundo. Lembrei da técnica de “como lhe dar com tanta falta de respeito”. Me aproximei: “Sorry, sir. Let’s speak in english since now, ok?! We’re going to receive german crew to check Mrs. Merkel demands in 30 minutes. So, please, let’s begin to discuss about Mr. Putin’s needs”. (Desculpem, senhores. Vamos conversar em inglês a partir de agora. Nós vamos receber a equipe alemã para checar as questões da Senhora Merkel em 30 minutos. Vamos, por favor, começar a discutir sobre as necessidades do Sr. Putin)

Foi a senha pra que eles ficassem quietos. A partir desse instante, seguiram todas as nossas recomendações. Recomendações que valiam para todas as autoridades, brasileiras e estrangeiras. Foi um teste para nós.

Naquele domingo da final, o tal russo que passou a falar inglês durante a visita técnica, autorizou que apenas eu e o “intrigante homem da  mala” subíssemos no elevador com o Presidente Putin. Foram segundos que pareceram horas. Me senti alta ao lado dele.

Ninguém reclamou ou fez cara de chateação quando dei a ordem, educada e diplomática, para que eles me seguissem até o local onde seria realizada o evento do “Hands over” . A cerimônia contou com a presidente Dilma, o presidente russo e a primeira-ministra Angela Merkel.

Todos obedeceram e me seguiram. Deu tudo certo! Os deuses do futebol estavam do nosso lado.