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Há 30 anos, um domingo sem Ayrton Senna

A gente pensava que seria um domingo como outros tantos. Maio com temperatura amena para o Rio de Janeiro, corrida de Fórmula 1 na tevê e almoço em família com direito a torta de limão de sobremesa.

Até aquela manhã de 1994, a única diferença era que eu tinha uma reunião na Barra da Tijuca à tarde com a equipe que estava produzindo a campanha publicitária do banco patrocinador de Ayrton Senna. Portanto, tão logo acabasse a corrida, teríamos que sentar à mesa. Em seguida, sairia correndo para o encontro marcado.

A filmagem havia sido marcada para a segunda-feira seguinte ao domingo 1º de maio em uma das agências no Centro da cidade. Ao fim da corrida em Ímola, na Itália, o piloto embarcaria em um jato privado para chegar pela manhã ao set. Essa era a programação.

O mundo sabe que a realidade se impôs de forma trágica, inesperada, dolorosa. Não dá para esquecer.

Nessa época, eu atuava como figurinista, principalmente, de filmes publicitários. Nesse, minha tarefa era, além vestir os figurantes, zelar para que o piloto estivesse de acordo com as cores e as premissas do patrocinador e do roteiro. Passei a semana anterior conversando com uma pessoa ligada a ele. Tudo tranquilo e acertado.

Essa seria a segunda vez que estaria participando de um filme com Senna. A primeira foi anos antes, quando ainda havia autódromo no Rio, e para outro cliente, a Shell. Minha vergonha sempre me impediu de pedir autógrafos ou fazer fotos com as chamadas celebridades com as quais trabalhei. Foram muitas. Só tenho foto tirada com Zico em 2012 em um evento para a Toyota em São Paulo e outra, nos anos 1980, depois de um show da Xuxa com meu filho no colo.

Para essa reunião do fatídico domingo, eu deveria levar as opções de figurino para os personagens e, por precaução, para o piloto também. Poderia ser que o tipo de tecido ou o formato das peças que a assessoria dele estava levando pudessem atrapalhar a captação e a qualidade das imagens. Enfim, melhor se precaver.

Na minha casa, havia  uma “arara” de roupas – no jargão da moda e do figurino, é uma estrutura móvel onde são pendurados os cabides – preparada e devidamente organizada para a reunião de produção.

O choro alto do meu filho e o grito do meu marido – eles costumavam ver a corrida juntos – me arrancaram da atenção enquanto checava as propostas de figurino. Ainda houve tempo de ouvir a voz do Galvão Bueno: “Senna, bateu forte!”.

Corri para diante da tevê. Abracei meu filho inconsolável. O pai, fã do automobilismo e de Senna, boquiaberto sem saber como agir ou dizer com as mãos na cabeça. Até aquele instante, não se sabia ao certo o que havia acontecido no circuito de San Marino. As imagens exibiam o carro destroçado e a cabeça do piloto que não se mexia.

Não houve almoço, muito menos torta de limão. Não houve barulho nas ruas do país. Houve uma reunião silenciosa e repleta de dúvidas. Houve muita angústia. Ninguém sabia o que fazer, do banco ao diretor passando pela agência de publicidade. Como agir na manhã seguinte? O que fazer com os nossos corações dilacerados?

Ao final, as filmagens foram mantidas em meio à dor e à saudade. O roteiro se transformou em uma homenagem do banco e dos fãs.

Quando a câmera começou a rodar, após a ordem do diretor, todos choraram. Foi uma das cenas mais chocantes e tristes que vivi. Não dá para esquecer um minuto sequer. Sempre no meu coração e na minha memória de fã. Esses 30 anos não a apagaram.