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Andarilho do asfalto

O homem era baixo, magro. Os fios dos cabelos lisos e mal cortados caíam pela frente dos olhos.  Vestia camiseta e bermuda independente da temperatura do Rio. Usava um par de tênis de cor desbotada.  

Seu caminho parecia ser sempre o mesmo: os 7.20 km ao redor da Lagoa Rodrigues de Freitas e depois uma avenida que a une ao bairro de Botafogo. Ele passava por mim nesse trajeto. Depois, sumia pelas ruas do trânsito pesado da manhã.

Fiquei sem vê-lo por alguns meses. Achei que poderia ter mudado ou, pior, morrido. Mas, numa manhã de outono, o avistei em Ipanema. O bairro também pode ser alcançado via a pista em torno da Lagoa numa rota bem maior da qual ele costumava percorrer.

Vestia praticamente a mesma roupa. Os cabelos estavam mais compridos, passavam um pouco dos ombros. Me chamou a atenção a cor e a aparência da pele bronzeada e brilhosa. Como de costume não carregava nada nas mãos. O semblante era o de sempre, perdido, mas, ao mesmo tempo, determinado, como se isso fosse possível. Desapareceu muito rápido em meio ao movimento das pessoas.

Cinco meses mais tarde, mais ou menos, o vi em outra parte da zona sul da cidade. Fui resolver algumas questões de trabalho em um endereço na praia de Botafogo. Enquanto aguardava um táxi, ele passou.

Estava mais delgado, com a pele mais escura. Fiquei refletindo o que aquele cara, que cheguei a ver em Ipanema distante dali quase 9 km, estava fazendo por aquelas bandas. Claro, que devia ter vindo a pé.

Ao mesmo tempo, tentava compreender o que move os andarilhos. É sempre uma incógnita. Quem seria aquele homem? Qual o seu destino? Teria família, filhos, amigos? Não sei como funcionava o seu GPS. Nunca esbarrava em ninguém. Ninguém esbarrava nele. Cheguei a imaginar que era um fantasma que só eu enxergava.

Mais outros meses se passaram. Uma vez correndo pela orla da Lagoa, o vi ao longe. Não era tão cedo. Não era dia de semana. Pensei imediatamente: “Ele faz a mesma coisa todos os dias. Não para de andar nem aos domingos”.

Tempos depois, estava a caminho do aeroporto Santos Dumont numa manhã chuvosa e de pistas escorregadias. O táxi evoluía devagar. Como sempre faço, vou me distraindo com a silhueta do Pão de Açúcar à minha direita durante a passagem pelas pistas do Aterro.

Quando o motorista fez a curva para a entrada do embarque, havia um pequeno tumulto. Muitos guarda-chuvas abertos diante da porta principal. Quando nos aproximamos, lá estava o homem. Desabado no asfalto.

A roupa de sempre estava muito suja, molhada e surrada. Os cabelos já estavam abaixo da cintura, tocavam a pista. Do par de tênis, havia somente um resquício da parte superior no pé esquerdo. Na perna direita, um corte que sangrava muito, os joelhos em carne viva. Ao seu redor, dois policiais. Alguns funcionários do aeroporto observavam a cena de longe em um silêncio curioso.

As lágrimas rolaram no meu rosto. Cabeça baixa, derrotado por si mesmo e pelas circunstâncias da vida, parecia, enfim, que havia chegado ao seu destino. Triste demais.