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Papo sobre livros

Primeira refeição do dia na padaria virou rotina logo que mudei pra São Paulo. Deixei de comprar queijo, peito de peru, suco de caixinha, manteiga. Todo dia, antes de ir para o trabalho, encostava no balcão da “Sertão Verde” às 7h00. Jucilene já estava à minha espera. Seu “bom dia” carregado do sotaque do interior paulista era o sinal definitivo de que a manhã estava começando e de que eu havia sobrevivido a mais uma noite e aos comprimidos.

Já com o suco de laranja na frente, minha cabeça dava voltas. “Por que ainda não falou com seu gerente? Se quer sair de lá, tá na hora de tomar uma decisão”. Uma voz conhecida ao meu lado interrompeu o círculo dos pensamentos. Parei, pensando em uma resposta. “Ah, acha que é fácil? Não é não. Estou lá há muito tempo. Agora, aos 50 anos, sozinha, vai ficar difícil arranjar outro emprego. Você sabe que tenho muito medo”.

Naquela manhã,  a voz vestia calça jeans, camiseta amarela, tênis Allstar. Sempre me pareceu uma pessoa de bem com o mundo. Não satisfeita com o que eu falei: “Bem, o que a vida pede da gente é coragem, você sabe. Quem foi que escreveu isso mesmo, mais ou menos isso? Humm, peraí. Acho que sei. Guimarães Rosa, né?” De olho no meu pão com queijo derretido, concordei com a cabeça. “Sim, um dos meus escritores prediletos”.

O papo foi por aí enquanto ela devorava o mesmo que eu. Confirmou que gostava de leitura, que teve dificuldade a princípio para entender aquelas paisagens e personagens de Guimarães Rosa e que depois amou de uma forma tão profunda que se sentiu abandonada quando virou a última página do livro. E, como eu, se ressentia pela falta de tempo para ler mais. Nunca havíamos conversado tanto sobre um tema que nos agradava tanto: leitura. Das outras vezes, discordávamos muito. Chegávamos mesmo a brigar, saía do encontro aborrecida. Diante dela, me transportava para a saleta de costura da minha avó que sempre tinha uma palavra de questionamento sobre o meu jeito de agir e de tocar a vida. Me chamava de tartaruguinha preferida.

Jucilene surgiu na minha frente. Pedi a conta e para incluir o pedido da minha amiga. Disse que havia demorado mais do que o normal devido ao bom papo sobre livros. A garçonete não se mexeu. Pedi de novo pra me dar as duas contas. Estava atrasada.

 “Mas, dona Salete, a senhora só tomou um café completo. Não servi outro pra ninguém”.

Olhei pra a esquerda e o banco estava vazio.

Resolvi levantar, pagar o meu pedido e rumar para o escritório. Não olhei mais na cara da Jucilene. Troquei de padaria.