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O tênis azul escuro

Do meio da névoa, saiu um homem. Devia de ter mais ou menos 50 anos. Magro e com cabelos crespos, vestia calça jeans e camisa azul escuro de mangas curtas e tênis idem.

Atravessou a rua. Seguiu para o lado direito sem mudar a direção do seu olhar. Eu não sabia quem era. Enfim, deixei para lá. Só acompanhei sua figura até que desapareceu em um beco.

Pouco tempo depois, o sol venceu a paisagem esbranquiçada da manhã. Meu ônibus, ainda com os faróis acessos, surgiu. Fiz sinal e, finalmente, embarquei com destino ao centro da cidade.

Naquela época, fazia um curso na rua Central às quartas e sextas. Tinha por hábito, chegar cedo e estudar um pouco antes das aulas.

Parado na calçada em frente ao prédio, vi o tal homem de novo. Ele cruzou para o outro lado alargando os passos. Só que agora usava outra roupa: camisa azul claro de mangas longas e calça branca. O tênis era o mesmo.

Levei um susto. Só havia uma linha de ônibus para o Centro: ele não havia embarcado comigo. Não me parecia que tivesse carro. E, claro, não poderia ter vindo correndo ou de bicicleta. Como teria chegado quase ao mesmo tempo que eu? Bem, quem sabe, teria apanhado uma carona. Mais uma vez, deixei para lá.

Ao meio-dia, saí para comer na lanchonete de sempre: queijo quente, suco de laranja e café duplo. Um dos meus livros caiu sobre o piso de lajotas vermelhas. Me abaixei. Quando levantava, meus olhos se depararam com o par de tênis de sempre: azul escuro. Lá, estava ele novamente.

Dessa vez, a calça e a camisa eram brancas. Depois, que me encarou, deu meia-volta e andou rumo ao lado oposto de onde estávamos. Dessa vez, minha curiosidade foi maior: resolvi seguir a figura.

Corri por entre os carros. Ele caminhava rápido. Já mais perto dele, fui jogado no chão por uma força invisível. Uma nuvem cinza me envolveu. Pedacinhos de pedra caíram do céu em diferentes tamanhos. Quando consegui abrir um pouco os olhos, vi os tais pés com o tênis azul escuro ao meu lado.

Sem entender nada, tentei me virar. Mas, os pés sumiram, assim como, a velha lanchonete do Bonifácio. Só consegui ouvir ao longe palavras e gritos confusos. “Nossa, acho que foi gás. Que explosão”! “Deve ter muitos mortos. É hora do almoço. Meu Deus”.