Manhã de início de outono, vento leve e frio, árvores perdendo folhas. Sem saber por que, ela caiu de amores por um desconhecido.
Em frente a um pequeno bazar, a jovem com a cabeça coberta por um véu observa um rapaz saltar do furgão da DHL. Na Alemanha, a empresa faz parte da área de logística do Deutsche Post, o correio alemão. Ele checa o celular com todas as informações sobre as entregas, abre a porta lateral, entra no veículo. Lá dentro, várias prateleiras com pacotes, caixas de todos os tamanhos e envelopes esperam para chegar aos seus destinatários.
Mesmo em uma cidade média alemã, o furgão amarelo da DHL é uma presença constante em meio aos carros, ônibus e veículos leves sobre trilhos. Se locomove durante o dia todo de um lado para o outro. Por licença da prefeitura, pode estacionar durante alguns minutos em locais onde as multas seriam astronômicas para outros carros.
O entregador, e motorista ao mesmo tempo, se desloca bem rápido para cumprir os horários. Como o sistema da DHL divide a cidade em rotas específicas, inclusive quanto ao período do dia e ao horário, é previsível saber quando ele vai surgir. Ela o espera diariamente na porta do pequeno comércio. Não fala nada; não acena; não sorri. Apenas, aguarda a sua presença. Foi se apaixonando dia a dia por aquela figura que parecia cumprir sua tarefa quase como em um balé protocolar das entregas.
Com precisão, ele seleciona o que deve ser deixado naquela área, caminha até o endereço destinatário, toca a campainha, grita o nome da empresa, deixa o pacote na entrada. A porta da viatura amarela fica aberta. Ninguém mexe. Ninguém se atreve nem a olhar o que ainda está dentro dela. Em poucos minutos, executa seu serviço, segue para a próxima entrega. Não vira o rosto para lugar algum. Se percebe ou não a energia que vem dela, não demonstra.
A moça acompanha tudo sem emitir nenhum som. Até parece que, em dado instante, ele retornaria com um aceno ou movimento de cabeça. Nada acontece. O entregador termina o que tem para fazer, fecha a porta lateral, volta para o volante. Segue em frente. Ela retorna para o interior da pequena loja.
Às vezes, o veículo da DHL some por alguns dias. Quando surge, a dinâmica se repete. Ela sai da loja com a cabeça envolta no véu; o rapaz desce, abre a porta lateral; checa as encomendas e prossegue sua tarefa. Nada de novo.
Algumas semanas passaram sem que o furgão com letras vermelhas do DHL aparecesse. A moça com a cabeça coberta, no entanto, manteve seu ritual. No mesmo horário, ia até a entrada da loja. Aguardava alguns minutos e voltava a entrar arrastando a esperança.
O furgão reapareceu numa tarde invernal, só que em um horário diferente. A moça demorou para perceber. Correu e conseguiu chegar a tempo de ver o entregador. Era outro, mais velho e com cabelos louros. O anterior era jovem, alto, nariz fino e com uma vasta cabeleira preta. Antes que o veículo saísse, conseguiu conversar com o novo funcionário que partiu depois de breves palavras. Ela esperou o veículo sumir na rua estreita e tomou o rumo da loja. Se abaixou atrás do único balcão e chorou até o dia acabar.
Um grave acidente entre um carro preto e um caminhão perto da entrada da cidade foi noticiado em vários jornais da região. Ao lado, havia a foto de um dos motoristas: morreu no incidente fatal. Era aquele rapaz entregador que passava quase todas as tardes em frente ao pequeno bazar.