Lembro bem da visão de um campo cheio de cruzes brancas. Era uma manhã ensolarada. Acho que de um outono carioca. Uma das minhas tias segurou na minha mão e disse que a gente precisava esperar meu pai voltar. Ficamos debaixo de uma árvore em cima de um morrinho. Era o enterro do meu avó paterno. Eu tinha quatro anos.

Foi a primeira vez que fui a um cemitério. A família achou melhor me levar já que não tinha quem tomasse conta de mim. Minha mãe amamentava meu irmão, um bebê de cinco meses. Meus olhos infantis já haviam percebido que o nosso dia a dia havia sido modificado por algo que não conseguia compreender. Ele morreu de forma repentina por causa de um infarte fulminante.
Minha avó usava um vestido preto de pontinhos brancos e um véu também preto, assim como eram as suas meias e sapatos. Apesar do seu jeito discreto, nunca a tinha visto com aquele tipo de figurino. Quando me aproximei dela, me abraçou muito. Não havia lágrimas no seu rosto.

Fui até perto caixão sempre acompanhada da minha tia. Me disseram para pedir aos anjos que meu avô ficasse bem. E, de fato, ele parecia que durmia muito bem. Em seguida, saímos da capela. Era a única criança no velório. Poucos minutos depois, o cortejo tomou o rumo da sepultura com meu pai à frente. Eu caminhei até o tal morrinho. De lá, ao longe, vi aquela roda de pessoas que vestiam roupas escuras. Não era possível entender o que faziam.
A todo instante, perguntava pelo meu pai. Ele surgiu depois de uma espera que me pareceu longa demais. Voltamos para casa sem falar nada. Eu queria saber mais. No entanto, não me atrevi a interromper aquele silêncio. Acho que lá no fundo percebi que não era momento para fazer o monte de perguntas que sempre viajavam pela minha cabeça de menina curiosa.
Estive com meu pai em muito outros enterros. Do professor assassinado nos tempos da ditadura ao da minha avô trinta anos de depois. Quando minha mãe faleceu, ele de novo andou na frente. Morreu há 8 anos. Tanto no dele, como no enterro da minha mãe, eu arranjei tudo. Só não caminhei puxando o cortejo como era o seu hábito: aquele era seu lugar.