Tenho tido dias agitados. Confesso que me enrolei e não registrei com devida antecedência e importância a data. Minha única tia viva por parte de mãe fez 101 anos essa semana.
Recebi uma linda foto dela sorrindo e sentada na sua cadeira predileta na varanda da bela casa. No seu colo, um bolo com cobertura branca e borda vermelha. Feliz da vida. Um dos meus primos ao lado.
A foto me tocou o coração. Não só pela questão da ultrapassagem de um século, mas pelas queridas lembranças.
Ela e minha mãe se parecem muito. Quando jovens nem tanto, mas o passar dos anos trouxe essa característica. A voz, a gargalhada e a entonação das frases em espanhol são iguais. Quando estivemos com ela há seis anos, levamos um susto. Até o gosto pela cor verde é o mesmo. Meu marido disse que parecia estar falando com a sogra.
Muito unidas desde criança, ela e minha mãe suportaram com proximidade – eram as mais novas de cinco irmãos – o abandono que a família passou com a separação dos pais. Meu avô saiu fora do casamento sem organizar a atenção necessária dos filhos. Mulher separada na década de 1920 era uma marca pesada ainda mais em um pequeno “pueblo” do interior da República Dominicana. Minha avó foi uma guerreira.
Com a foto, cai nas minhas reflexões sobre o envelhecimento. Algo comum nessa fase da vida. Acho que já deveria ter me dedicado mais ao assunto. Não como reclamação, mas para tirar proveito pelo fato de estar viva, por tudo que continuo aprendendo e escrevendo. E, claro, pelas pessoas que me cercam. Apesar de que, às vezes, me irrito com a dificuldade em eliminar alguns quilinhos, com o sono intranquilo, com a perda do xixi.
Preciso não levar muito a sério essas questões.
Nunca perguntei à minha tia se as escolhas pessoais fizeram sentido na sua existência. Casamento muito jovem, quatro filhos, dona de casa, viúva e a perda de um filho recentemente. Ainda hoje é a “reina” da casa no sentido de que a última palavra é a sua. Hoje, as dificuldades naturais da idade não lhe permitem agir como antes. No entanto, tenta.
Conversamos por WhatsApp, disse que tinha coisas para me contar só que pessoalmente. Me chama de filha e à minha neta de bisneta. Como sempre, falou que os joelhos e as pernas a impedem de se locomover como deseja, que não sai mais de casa, que o marca-passo está funcionando bem. Afirmou com orgulho que todos que a visitam elogiam a pele de seu rosto. Vaidosa.
Lembrei do filme do diretor espanhol Carlos Saura de 1979, “Mamá cumple 100 años”. Apesar das confusões, brigas, desabafos das cenas, gostaria de ter comemorado esse aniversário com minha tia. Ela está longe: a 5.500 km do Rio. Com certeza, seria um grande encontro e, com certeza, regado com a culinária dominicana.
Celebrar que estamos vivos já é um feito e tanto apesar das dores e dos problemas. Sem dúvida, uma lição.