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Da infância e do Rio Grande do Sul

Eu devia ter uns 6 ou 7 anos. Estudava em um colégio de freiras em um subúrbio do Rio de Janeiro onde entrei com 3 anos e meio. Lá aprendi a ler e a escrever, o que aliviou o coração da minha mãe que achava que eu não conseguiria falar português. Ela nasceu em um pequeno povoado da República Dominicana no meio do Caribe. Só nos comunicávamos em espanhol.

Acredito que devido a essa dinâmica, desenvolvi meu lado tagarela. Me comunicava com todos e sobre tudo. Falava por mim, pela minha mãe e pelo irmão menor.

Um dia, em meio ao recreio, percebi que uma coleguinha estava enrolada com a sua garrafa térmica. Por orientação das professoras, ao fim do lanche trazido de casa, deveríamos lavar tudo e deixar arrumado dentro da merendeira. Intrometida, resolvi ajudar a menina mesmo sem saber como. Sempre falando muito, com ideias maravilhosas para resolver a questão.

Fomos para o lavatório que ficava na área do pátio da escola. Fizemos muita força para desconectar a parte de vidro térmico da garrafinha. Aos mais novos, legal informar que esse fato se passou há mais de 50 anos. Ou seja, a tecnologia era outra: dentro do recipiente de metal, havia outro feito em vidro térmico que poderia ser retirado para a lavagem.

Passamos um perrengue para desconectar a tampa. Resolvi puxar a tal garrafinha da mão da garota. Com a pressão desmedida, quebrou em meio aos seus dedos. Voou caco de vidro para tudo quanto é lado. O sangue da mão dela escorreu. O uniforme azul e branco ganhou pinceladas de um vermelho muito escuro, quase marrom. Apavorada,  sem voz, ela não conseguiu nem chorar.

Comecei a catar os caquinhos com a intenção maluca e infeliz de diminuir a confusão e a dor da colega.

Enfim, ela soltou um grito que deve ter sido ouvido, quem sabe, do outro lado da rua. As noviças correram em nossa direção. Os outros alunos idem. Formou-se um tumulto no entorno. Acabei me machucando também, mas não chorei.

Fomos para a enfermaria, onde recebemos os cuidados necessários. Ela chorando. Eu em silêncio em um misto de chateação por não ter conseguido resolver o problema e também pelos pedacinhos de vidro que entraram na minha pele.

Ao final, tudo acabou ficando bem. Levei anotação na caderneta e ouvi uma frase da professora: “Se não sabe ajudar, não se intrometa”.

Observando a tragédia que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, lembrei dessa passagem da minha infância.

Por que tentar ajudar se você não deseja ajudar? Por que espalhar ou distorcer notícias falsas ou meio falsas no afã de tentar ganhar espaço na discussão nacional? Por que tumultuar o que já não cabe mais na explicação da palavra tumulto?

É muito triste e lamentável que um ser humano não se impacte com essa catástrofe e que ainda invista seu tempo produzindo mentiras e meias verdades, seja lá por qual motivo for. Nada é mais importante do que o sofrimento daquelas pessoas e daqueles animais.

Não se meta aonde não é chamado ou aonde nada pode fazer. Vai levar anotação na carteira da vida.

À frase que ouvi, acrescentaria: respeite o outro e fique na sua!