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Afeto e cuidado do quintal da vida

De uma hora para outra, um bougainville da sacada se transformou em um monte de gravetos. Perdeu as flores amarelas e quase todas as folhas. Não sabemos se foi a chegada do outono, uma praga ou o verão infernal deste ano. Precisava de intervenção rápida para não morrer. A solução foi levá-lo para uma área comum do prédio. Aparamos e regamos com uma solução específica. Está em recuperação. Agora, é só aguardar.

Esse cuidado com o triste bougainville me levou de volta ao quintal da minha infância e adolescência.

Vivi em uma casa de subúrbio do Rio. Fui criada com um quintal onde galinhas, patos, marrecos, cachorro e coelho conviviam em meio a mangueiras, coqueiro, laranjeira, pé de sapoti e de maracujá. Os bichos ficavam soltos e coexistiam bem na medida do possível. Tive também gatos, tartarugas e periquitos. Colocinonei grilos e largatixa em caixas de fósforo. Certa vez, entrei em desespero e chorei muito quando um atrevido porquinho da índia, o vermelhinho “Dundum”, resolveu comer a comida da cadela. Morreu abocanhado.

Meu pai não quis comprar mais um. No entanto, desistiu diante da tristeza da filha. Um dia, apareceu com outro, dessa vez preto e branco. Esse sumiu. Quem sabe, também foi morto do mesmo jeito. Ele deve ter escondido de mim mais esse capítulo do mundo do quintal. Não presenciei o corpinho sem vida do bichinho. Fiquei com a memória afetiva dele.

Sim, era um mundo especial, cheio de magia e ensinamentos. Uma das minhas brincadeiras favoritas era remexer a terra nos canteiros para encontrar minhocas e formigas e mudar as plantas de lugar. Do quintal para o jardim e vice-versa. Às vezes, dava certo – elas sobreviviam – outras não. Me restava entender o que havia feito de errado. Afinal, as queria muito bem. Tive longos papos com elas. Me ouviram nos momentos mais angustiados quando da perda do meu “porquinho da índia”.

Fui aprendendo que quanto mais eu cuidava das plantas, mesmo de uma forma intuitiva, mais elas cresciam. A saúde de cada uma estava ligada à atenção que recebiam de mim. As plantas retribuíam em beleza e agradecimento.

Hoje, vou cada vez mais me dando conta o quanto é essencial o zelo contínuo com a minha vida e com a de todos que me cercam. É necessário adubar, regar, mudar de ponto de vista e observar. É preciso conhecer e descobrir se o perfume de cada pessoa exala nas noites da primavera ou do outono. Todo mundo tem seu ritmo próprio. Por vezes, as pessoas parecem que não desejam florescer ou querem ficar escondidas de si mesmo e do sol. Depois, com o passar do tempo, vou me deparando com um ser humano que só procurava cuidado e nutrição do outro, no caso eu.

Isso é cuidar da gente. A despeito de toda a confusão que está ao redor, quando cuidamos uns dos outros com verdadeiro interesse e afeto a vida é melhor e dá mais frutos. Ou seja, da mesma maneira atenta e carinhosa que aquela menina cuidava das plantas de um quintal numa casa do subúrbio carioca.