Certa vez, um homem de longa barba branca caminhava por uma estradinha de terra. Atravessava uma floresta em um dia de outono. As folhas balançavam ao sabor da brisa da manhã e o sol já se mostrava promissor criando efeitos de luz e sombra. Ao redor, a grama ainda molhada do orvalho da noite começava a mostrar pequenas flores que se abriam conforme o calor aumentava. Borboletas o acompanhavam.
Não tinha pressa nem lugar definido para onde ir, o que importava era o caminho.
Lá pelas tantas, um coelho marrom de olhos azuis parou na sua frente. Sem muita cerimônia, começou a falar sobre um monte de coisas. Tudo ao mesmo tempo. Iam desde a falta de comida até às ameaças dos lobos passando pelas reclamações por não ser um passarinho para fugir pelos céus daqueles que os ameaçavam. Pulava, virava de um lado para o outro, tentava subir nas pernas do homem.
Na tentativa de ajudar, o andarilho resolveu se sentar sobre as raízes de uma grande árvore e ouvir. Chamou o coelho e pediu que respirasse devagar.
O pequeno animal obedeceu. Já mais calmo, repetiu as reclamações e, além disso, falou sobre a decepção com um amigo. O que era para ser apenas um bate-papo ligeiro se tornou uma longa conversa.
— Coelho, conhece a fábula das caixinhas?
— Nunca ouvi falar, senhor.
— Todos possuem várias caixinhas dentro da cabeça. Cada uma tem uma finalidade diferente. Para sofrer menos, é importante entender tudo o que acontece, por que acontece e, o principal, se houve algum aprendizado. Quando essas questões são compreendidas, as respostas vão para a caixinha correspondente. Assim, a cada novo episódio semelhante, a caixinha pode ser acionada. As lembranças do conteúdo ajudam para que cada pessoa aja de outra forma e não sofra, não se desaponte. É importante perceber como é o funcionamento desse processo. Entendeu?
Os olhinhos azuis piscavam cheios de interesse e as orelhas subiam e desciam.
— Algumas caixinhas têm fundo fixo. Outras têm uma fina tela que filtra assuntos ou eventos que possam trazer rancor, por exemplo. Em geral, é ativada por causa de acontecimentos sem importância. A telinha deixa ir por terra aquilo que não devemos dar crédito e que podem deixar feridas bobas. Podemos chamá-la de caixinha do amadurecimento. Acredite, é um presente da vida.
— Senhor, não sei se entendi bem.
— Coelho, espero que tenha ajudado. Um passarinho pode ser abatido em pleno voo por uma águia. Você pode se esconder muito bem dentro de uma toca. Bem, me dá licença. Preciso ir. Uma coisa a mais: as caixinhas da saudade, da tolerância, da empatia, do afeto e do amor não têm essa telinha. Elas são infinitas. Bom dia.
O homem tomou a estradinha de novo. Quando se virou para acenar, viu mais coelhos, gambás, cachorros do mato, pássaros, lagartixas, cobras e muitos outros bichos que estavam em torno do coelho marrom. Queriam saber o que tanto os dois haviam conversado. Podia ser de alguma serventia.