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A cadeirada e uma passagem profissional

Nessa reta final das eleições de 2024, é difícil não tocar no assunto “cadeira”. Bem que tentei. Procurei pensar nas gordurinhas que vão se desfazendo, na dor da fascite plantar que estou expurgando, na saudade da minha neta.

Foi em vão. Não dá pra fugir do tema. O que foi muito bom é que junto a ele lembrei de quando participei de uma eleição nos anos de 1970, aqui no Rio. Coisas do século passado e que fazem parte da minha trajetória profissional.

Caloura da PUC-Rio, um dia vi um cartaz colado em um quadro do departamento de Comunicação. O jornal O Globo estava procurando alunos para acompanhar a apuração nas zonas eleitorais. Não havia nenhuma promessa de estágio ou emprego.

Curiosa e metida, no mesmo dia fui até a sede do jornal no centro do Rio.  De cara, já foi um espanto pra quem estava começando a vida profissional na área. Barulho das máquinas de escrever, gente pendurada nos telefones pretos, homens fumando, corpos que iam e vinham, rostos conhecidos de grandes jornalistas.

Apresentações feitas, fui recrutada para Campo Grande. Sim, morava em um subúrbio da Zona Norte, mas Campo Grande era muito longe e carente de transporte público para o meu bairro. Havia uma kombi que saia da sede do jornal e no retorno poderia me deixar na Av. Brasil. Depois, dali eu que me virasse. Topei, claro. Como perder essa chance? A curiosidade sempre foi um dos motores da minha vida.

A tarefa era ficar em torno de uma grande mesa montada na quadra de basquete coberta de um clube, onde fiscais dos dois partidos da época, MDB e ARENA acompanhavam a contagem dos votos em papel. A seguir, eu deveria pegar a súmula com os votos recebidos por cada candidato, correr para um telefone público, ligar para a redação e passar os números. Para isso, eu tinha um saquinho de fichas dentro da bolsa – celular é coisa dos anos 1990. Essa dinâmica se repetiria várias vezes ao longo do período da apuração. Enfim, não parecia complicado. Mas, foi.

Para começar, eu era invisível. A credencial do jornal não ajudava, muito menos a minha cara de novata e o fato de ser mulher. Foi difícil convencer os responsáveis que estavam na mesa para me entregar as tabelas. Levei empurrões, dedos na cara, palavras de ordem do pessoal dos partidos e da apuração. O telefone público ficava fora do tal clube e sempre tinha fila. Eu não era a única com a mesma tarefa.

Acho que foram dois ou três dias nesse “vucovuco” eleitoral. Precisei me proteger de discussões acirradas, fugir do assédio e segurar a fome: não deu nem para lanchar. Era um entra e sai de gente de tudo quanto é tipo e espectro político.

Lá fora, carros da polícia e do Exército. Muitas fisionomias carrancudas e ligadas em tudo o que acontecia dentro e fora do clube. Ouvi dizer que houve tiros em algum outro local. Por lá, os ânimos estavam exaltados sem, no entanto, chegar às vias de fato. Tudo parte do clima de eleições ainda no período da ditadura. Quando chegava em casa, meus pais respiravam aliviados. Além de tudo, havia a ansiedade de entregar a minha tarefa conforme combinado com o jornal. De alguma forma, consegui.

Essa foi a minha primeira experiência com apuração ainda em uma fase tão delicada e desafiadora do Brasil. Aprendi muita coisa na marra.

Cada vez que vou votar, lembro de novo desse episódio. Quando aperto “confirma” reflito como o país mudou nesses 50 anos. E eu também.