Um simples domingo começou diferente em meio a minha temporada lisboeta. Estava me preparando para limpar a mesa do café da manhã. Cesta de pães pela metade, xícaras – ou, como dizem por cá, chávenas -, restos de geleia de morango nas faquinhas, manteigueira aberta, farelos espalhados, caroços de mamão, guardanapos amassados, copos de suco de laranja vazios: todos por lá ficaram. Corri para a janela em busca da origem do que havia me mobilizado. Um som desconhecido estava no ar. A fonte dele não.

Segundo depois, enxerguei um homem magro, terno de um preto acinzentado pelo tempo. Guiava uma bicicleta em vez de estar sentado nela. Na parte detrás, um guarda-chuva de cabo e uma caixa de madeira. Na boca, uma gaita que mais parecia um apito. Caminhou de um lado para o outro da pequena rua. Foi o tempo que precisei para gravar a cena – que mais parecia de um personagem de Felini – e o som. Melancólico e arrastado, ele oferecia o serviço de amolador de facas.

O que deve pesar sobre uma pessoa que se dispõe a caminhar pelas ruas oferecendo seus préstimos em um domingo? O serviço não depende de data de validade, como pães e doces, por exemplo, poderia ser oferecido a qualquer tempo. Por que a opção de uma manhã ensolarada de outono?

O homem era a imagem da solidão. Sentimento que flutua sobre nossas cabeças; que massacra nossos corações; que nos afasta do mundo; que nos leva a taças de vinho, caixas de comprimidos, aplicativos de encontros e, na maioria das vezes, sem sucesso. Tudo para aliviar a dor de estar sozinho, de ter apenas paredes e móveis de casa e a bicicleta como companhias. A solidão é uma merda. Não consegui entender sob nenhum outro aspecto o cenário diante dos meus olhos.

Ninguém surgiu nas janelas. Ninguém procurou seu serviço, ao menos, até eu vê-lo sumir no fim da rua depois de uma leve curva que dá para um terreno vazio. Por uns minutos, me mantive olhando o vazio do asfalto depois que o tipo desapareceu. Me coloquei no seu lugar em algum canto de Lisboa, perto das ruas lotadas de turistas, dos perfumes caros, dos tênis coloridos, dos óculos de grifes famosas, das unhas compridas demais, dos IPhones 17, das muitas sacolas da Primark e da H&M. Me senti sozinha. Muita gente, interação nenhuma. Muita pompa, conteúdo nenhum. A solidão está mais perto do que imagino.