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Somos diferentes. E, daí?

“Os dedos das nossas mãos são diferentes. As pessoas também”. Minha mãe saía com esse texto quando eu usava aquela conhecida frase infantil: Ah, mas tudo mundo faz. Por que não posso?” Era a maneira que ela tinha de me mostrar que nós éramos diferentes apesar de convivermos na mesma escola, mesma rua, mesmo bairro, frequentar a mesma igreja. Uns podiam e outros não. E, tudo bem.

Essas palavras sempre me chegam à mente quando percebo a impaciência com a qual são tratados os diferentes – seja em razão da cor da pele, da nacionalidade, do tipo de cabelo ou da roupa, do time de futebol, da música preferida, da religião, etc. – por aqueles que se acham iguais.

Enxergar a diferença pode não ser fácil. Por outro lado, aceitar que ela exista também é. O mundo é mais acolhedor quando se tem uma turma que pensa e age da mesma forma. É muito mais fácil navegar no mar onde a pessoa enxerga a si mesmo em tudo o que está ao seu redor e sem contestação. No entanto, nada justifica que não se compreenda o conceito da diferença e que ele seja acolhido como princípio da vida em comum. Respeito é ótimo, todo mundo gosta e merece. Além disso, faz a nossa a rotina em sociedade muito melhor e agradável.

Quando menina, meus cabelos eram longos. Vivia com eles presos em duas tranças ou em um coque “bailarina”. Brincadeiras na rua eram um verdadeiro problema para mantê-los limpos. Minha mãe usava um pente de madeira com dentes grandes para desembaraçá-los e não machucar o couro cabeludo. Fazia massagem com azeite e gema de ovo ou com óleo de bebê e babosa colhida no fundo do quintal. Imagina como era para retirar essas misturas. A caixa d’água da pequena casa de subúrbio quase esvaziava para dar conta da cabeleira. Por ser filha de um casamento entre um homem preto e uma mulher branca, os fios eram ondulados, espessos e em abundância. Causava estranheza à vizinhança na sua maioria composta por famílias portuguesas. Sim, era uma menina magricela e diferente e com dentuça.

Quando a Rita Lee surgiu para mim, queria ter os cabelos dela. Me dava o senso de ser livre, de  ter mais tempo para outro assunto que não fosse tratar da cabeleira. No início da adolescência, os fios foram alisados com uma pasta fedorenta. Valia a pena o incômodo: pude usá-los soltos, às vezes, ou em um rabo de cavalo. Entendo essas meninas que sucumbem aos alisamentos quando mais novas – depois, mais velhas, se arrependem. É muito desagradável passar parte da semana cuidando dos cabelos ondulados e crespos. Dá trabalho.

 A liberdade só veio quando passei a nadar por causa da escoliose. A touca de natação não segurava aquela quantidade de fios negros. Sempre caiam na minha cara. Acabava levando bronca do professor: perdia o rumo dentro da piscina.

 Um dia, aquele monte de cabelos se foi. Ficou no chão do cabeleireiro. Dali, fui experimentando cortes diferentes sempre curtos. Tenho preguiça de arrumá-los até hoje. Acho que minha paciência ficou nas tardes que passei sob os cuidados da minha mãe. Amava seu carinho comigo. Odiava ter ficar parada me submetendo aos tratamentos capilares enquanto ouvia ao longe alguma voz de criança ou lembrar dos livros e gibis.

Sigo alguns perfis no Instagram de mulheres que recuperaram seus fios naturalmente crespos, ondulados ou cacheados depois de longos anos. Retiram toda a química, mudam o corte e soltam os cachos e as ondas. Assumem a diferença. Percebem que há espaço para todo mundo mesmo que muita gente não consiga entender que ser diferente não é uma grande questão. Faz parte do fato de sermos humanos, de nascermos em famílias e em países distintos, em épocas idem.

Eu fui me encontrando nos cabelos curtos. Recebi várias observações até críticas por ter tomado uma atitude radical. Afinal, quando adolescente, a moda era ter os cabelos longos naturais ou mantidos lisos de algum jeito.

Os anos passaram e a variedade sobre cortes curtos virou marca da minha diferença. Há períodos em que estão mais, digamos, fashion e em outros não. Eu vou tocando a vida e, agora, com os fios brancos tomando quase toda a cabeça coloridos vez por outra. A diferença não pode ser empecilho. Faz parte. O problema é não entender que “os dedos das mãos não são iguais”.