Não fui uma menina de muitas amizades. Acho que era uma criança velha. Pelo menos, é assim que me identificavam. Tinha colegas na escola, alguns na rua. Amigos de verdade não. Por mais que desejasse muito ter, não conseguia me enturmar. A timidez me vencia.

Preferia brinquedos, livros, as histórias que contava para as bonecas e para as paredes e a exploração do terreno da velha casa branca do subúrbio carioca.

O quintal da  casa era o meu universo. Havia uma grande mangueira, um coqueiro que me deu um susto certa amanhã – um côco caiu na minha cabeça e me derrubou – um pé de maracujá que se entrelaçava na goiabeira, mangueira e laranjeira. Havia também a casinha do cachorro e um galinheiro onde, além das galinhas, coexistiam marrecos e patos. Um pequeno lago artificial ficava nos fundos para alegria das aves. Nos dias de muita chuva, era uma delícia brincar nas poças de água e na lama.

Vez por outra, meu pai aparecia com outros animais. Tartaruga, porquinho da índia, coelho e passarinhos faziam parte do mundo encantado. Eu dei guarida a filhotes de gato encontrados na rua. Gostava de colecionar grilos, joaninhas, formigas e lagartixas. Em uma tarde quente, um maribondo me picou. Tive febre e muita dor nas costas.

Meu irmão mais novo também entrava na brincadeira. Até que um dia encheu o saco. O  time de futebol da rua era mais interessante.

Por conta desse comportamento recluso não construí amizades quando menina. Infelizmente, não sei de ninguém dessa fase da minha existência. Sumiram no tempo. Vire e mexe volto ao bairro suburbano onde cresci. Não reconheço ninguém nem filhos e nem netos. Passo pelas casas que fazia parte do meu caminho para o colégio ou para a padaria, tudo diferente, com gente idem.

Na adolescência, mudei de escola. Nas duas vezes para longe do bairro. Os grupos, claro, também mudaram. Da fase do que hoje é o ensino intermediário, tenho uma amiga que voltou ao Brasil depois de 20 anos vivendo fora do país. Há pouco tempo nos encontramos para um papo regado a café e pão de queijo. Foi maravilhoso.

Da faculdade e das empresas onde trabalhei as conexões se tornaram mais presentes e algumas resistem aos anos. Mesmo assim, não sei de muitos que fizeram parte das minhas turmas. Mudança de cidade, desinteresse ou até morte colaboraram para que nos perdêssemos no tempo. Enfim, ainda consigo saber de muita gente pelas redes sociais e plataformas de bate-papo. Pode até ser que as interações são sejam muitas. Fico feliz em saber que ainda nos mantemos ligados de alguma forma.

Por causa do interesse comum na leitura, na escrita e na literatura, faço parte de um grupo que se criou durante as oficinas online dos tempos pandêmicos. Estivemos juntos em mais de uma turma de contos e sobre alguns escritores. Alguns frequentaram outros cursos, outros se afastaram por conta de atividades profissionais. A maioria se mantem ligada em um grupo de WhatsApp e em encontros presenciais. Sou fã dessa nossa ligação, principalmente, no que envolve a literatura.

Por conta da memória infantil de não ter consiguido fazer amigos, louvo a existência de todos esses grupos. Sei o quanto vale esse tipo de contato até porque minha trajetória e personalidade reservada me deixaram longe desse tipo de interação. A amizade não pode se perder da vida, no tempo e nem de nós mesmos. É uma dica que levo para sempre.