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O céu da noite de São João

Aos quatro anos, tive sarampo.

O mundo escureceu. Meus olhos foram perdendo a capacidade de enxergar pouco a pouco. Eu conseguia distinguir apenas vultos, contornos e algumas cores desmaiadas. Deixei de brincar e de explorar a área verde ao redor da casa. Passei a precisar de ajuda para as tarefas mais simples.

Ninguém sabia, nem mesmo os médicos, se algum dia, eu voltaria a ver, se iria continuar do mesmo jeito ou se ficaria ainda mais na escuridão. Pouco tempo depois, a constatação final: cegueira.

Recebi carinho, atenção e cuidados. Fui para uma escola onde as pessoas se importavam comigo e me davam muita atenção. Aprendi com dificuldade o que foi possível. Mais tarde, mudei de colégio.

Minha família sofreu, mas se conformou. Foi a maneira encontrada para me deixar mais tranquila e confiante. Não sei de onde tiravam força, amor e coragem para lidar com uma menina que até há bem pouco tempo corria pelo jardim, pulava na piscina da cachoeira, subia nas mangueiras do quintal. E, agora, se batia em mesas, móveis, cadeiras e aprendia de novo como comer. Algumas vezes, ouvi minha mãe chorar baixinho. Sem saber o que fazer, procurava imaginar como estaria seu rosto com as lágrimas. Queria abraçá-la, mas não sabia como chegar até ela.

Por um período grande, as festas que eram comuns, sumiram da nossa casa e do nosso sítio. Deram lugar a uma tristeza não expressada em palavras. Eu sentia essa pressão nos gestos, nas frases curtas e na enorme vontade de me agradar, de me amparar.

Com o passar do tempo, as festas voltaram. A nossa família comemorava aniversário, batizado, casamento, Natal, noite de Ano Novo e, o que mais eu gostava, as datas juninas. Todos eram festeiros e contavam os dias paras as reuniões familiares.

As noites de junho eram especiais. Um festival de sensações. Experimentava o cheiro, o clarão e o tilintar da fogueira. Me aquecia com o calor do fogo. Aguardava com ansiedade o aroma do milho, do bolo de aipim no forno, da canjica. Minha mãe me contava quais eram as cores  das bandeirinhas que enfeitavam o terreno. Eu percebia que elas se mexiam com o vento sobre as nossas cabeças. Mamãe descrevia o meu vestido, se tinha sianinhas, bordados, botões ou fitas. Dizia que as estrelas brilhavam  no céu daquela noite fria e, de alguma maneira, aconchegante e feliz. Eu adorava.

O tempo passou. Meus pais já se foram. O mundo mudou. O que não muda são essas memórias.

Sei que há uma festa no play do condomínio nesse 24 de junho. Da janela do nosso apartamento, vibro com a emoção daquelas festas juninas que me deixavam encantada quando criança. O carinho da minha mãe está presente.

De longe, ouço meu marido brincando com meu filho pequeno. Ele se aproxima e percebendo meu choro, me abraça: “Olha pro céu, meu amor, Vê como ele está lindo, Olha pra aquele balão multicor, Como no céu vai sumindo”.

Nada como o céu da noite de São João: lindo, mágico.