Rio, fim de tarde. Era para ser como outro qualquer final de expediente. Lá fora, chuva fina e fria. Temperatura caindo. Vento começando a incomodar. Puxei o capuz do casaco e corri para a estação do metrô mais próxima.
Minha atitude foi como de praxe: escadas rolantes, cartão magnético na catraca, escadas rolantes. Tenho por hábito me dirigir para a parte final da plataforma. Dessa forma, entro no último vagão que quando chega ao meu destino de sempre fica mais próximo da saída.
Podem achar besteira. Quem sabe, não seja isso mesmo. Hábitos são assim. É como escovar os dentes ou se olhar no espelho dos elevadores. Vamos repetindo. Nem nos damos conta das vezes que agimos da mesma maneira. Só continuamos repetindo. Mudar pode ser um risco.
Levantei o olhar para a tela que indica os horários. Eu ainda teria que esperar quinze minutos pelo o próximo trem. Tirei o livro da bolsa, peguei os óculos, me coloquei debaixo de uma luminária. Perto de mim, só havia um estudante e uma moça que parecia enfermeira pelo figurino.
Um pouco depois, ouvi a voz de um senhor de terno molhado que acabara de chegar e subiu o olhar para a painel de horários. “Ahhhh, adiantou. Que bom!”.
Olhei para o túnel e nem sinal do metrô. Continuei a leitura. Segundos depois, percebi o som nos trilhos. Fiquei esperando o clarão dos faróis. Achei que havia passado pouco tempo desde o momento que eu havia checado o painel eletrônico. Acabei fechando o livro. Melhor assim, vou para casa mais cedo, pensei. Olhei para a esquerda e lá estavam as luzes iluminando a escuridão do túnel.
Ele vinha sem pressa. Com todas as luminárias internas acessas, foi se arrastando ao longo da plataforma. Parecia que estava desfilando. Não havia ninguém lá dentro. Achei estranho. Parecia algo fora do padrão. O estudante também achou que algo estava fora do lugar por causa do período do dia: “Humm, tava muito bom pra ser verdade. É apenas um trem indo pra manutenção” .
Sim, poderia ser mais um recurso rotineiro da companhia. O trem precisa diminuir a velocidade quando passa pelas as estações se, por acaso, está a caminho do pátio de manobras. Depois, volta a acelerar.
Nós quatro recuamos. Teríamos que aguardar mais um pouco à espera do próximo trem.
No entanto, ele parou. Estava sem passageiros. Devagar as portas foram se abrindo. Difícil acreditar que o metrô àquela hora estivesse daquele jeito. Vazio.
Nenhum de nós se mexeu. Olhamos para o lado direito da estação. Havia somente mais quatro pessoas na mesma plataforma distante de nós. Elas também não se movimentaram.
Percebi que todos tiveram uma sensação igual à minha. O comportamento daquele metrô era de fato inusitado: iluminado, lento e sem ninguém lá dentro em um fim de dia de trabalho e chuvoso.
Na vida, como em situações inusitadas, sempre há alguém mais destemido. Quando o estudante entrou, todos entraram, inclusive eu. Sentamos os quatro no mesmo vagão um perto do outro e sem dizer nada. As luzes deram uma forte piscada antes das portas fecharem. Sem pressa. Parecia que tudo estava em câmera lenta.
Enfim, o metrô partiu. Olhamos para todos os lados. Estávamos de fato somente nós quatro naquele vagão. Quando mergulhamos no escuro em uma velocidade ainda baixa tive a infeliz ideia de abrir a boca: “Ops, será que é um metrô fantasma? Afinal, se existe trem fantasma, por que também não haveria de existir um metrô?”
Não sei qual foi a expressão de cada um dos meus companheiros com aquelas palavras fora do lugar. Não tive coragem de encará-los. Somente percebi a atmosfera tensa. Baixei os olhos para o meu livro.
Duas paradas depois, o estudante e o senhor de terno desembarcaram. Uma mulher de longos cabelos louros e vestido roxo longos e justo com mangas compridas entrou. Sentou ao fundo. Me chamou a atenção a maquiagem pesada e as unhas pintadas de vermelho. Os sapatos de salto agulha no mesmo tom do vestido ficaram escondidos sob a bainha bordada de preto. Não tinha bolsa nem carteira.
Até o meu destino final, não houve mais nenhum passageiro novo. A luz piscou mais algumas vezes enquanto o metrô trilhava em velocidade baixa o caminho sem iluminação do túnel. Em determinado momento, olhei para o lado, a mulher havia desaparecido.
Duas estações depois, apressei os passos. Saí mesmo sem ser minha estação de desembarque. Sei lá o que ainda poderia acontecer no vagão 1093 em uma noite de chuva e de vento. A tal da enfermeira ficou sozinha.