11 graus, essa era a temperatura de uma ensolarada e fria manhã do outono alemão. Com uma echarpe cinza e um casaco preto, lá estava eu na plataforma checando os horários à espera do meu trem. O destino era Sttutgart, cidade a 130 km ao sul de Mannheim.
Viajar de trem nos países europeus faz parte do dia a dia das pessoas. Curto pegar carona nesse velho costume. Não que as elogiadas autobahns alemãs não sejam indicadas. Pelo contrário, são ótimas e bem sinalizadas. Só mesmo nelas, é possível ver, por exemplo, Ferrari, Lamborghini, Porsche a mais de 200 km por hora. Um susto quando nos ultrapassam.
O trem já estava com 15 minutos de atraso quando comecei a prestar mais atenção nos avisos que vinham pelo alto-falante e pelo e-mail: audição e visão funcionando ao mesmo tempo. Fui me virando com o aprendizado do idioma que tinha àquela época. Verdade seja dita, essa experiência me incentivou a voltar às aulas de alemão. Hoje, estou mais esperta e sabida.
Enfim, o trem surgiu. Imponente nas cores cinza e branco, preencheu o panorama com seu design aerodinâmico que o levou a 250km por hora.
Quando ele partiu, passei a observar a paisagem, ora rural, ora com típicos pequenos vilarejos, às vezes, industrial. Fui percebendo que a viagem tinha muito mais a ver com a vida e com aquele trem do que eu imaginava. Esse tipo de percepção não marca hora para aparecer. Quando emerge, deixo que escoe. Sempre espero que possa trazer entendimento de algo que até então eu não havia me dado conta.
Voltei a mente para a espera na plataforma. Àquele horário, estava repleta de pessoas com destinos diferentes. Eu nunca as havia visto, não sabia de onde vinham ou para onde iam, o que desejavam, se tinham sérios problemas ou não. Desconhecidos. Apenas compartilhavam comigo o cenário daquela fria manhã.
De repente, alguém parou e me fez uma pergunta em um tom agitado à procura de alguma interação. Tentei responder, tentei fazer um gesto de que quase havia entendido. A pessoa foi embora ciente que aquele papo não tinha mesmo como ir adiante, não só porque não se fez entender, como, também, porque eu não havia conseguido responder rapidamente. Tudo bem. Seguiu seu rumo. Não houve vínculo de nenhuma das partes nem ressentimento.
Já dentro do vagão, fui constatando como cada passageiro procurava seu assento, reservado ou não. Ninguém perguntava nada, nem checava o bilhete físico ou eletrônico. O “com licença” – “Entschuldigung” – não foi pronunciado em instante algum. Entendi que não era por conta da frieza ou falta de polidez alemãs. Era assim porque não podia ser diferente. Parecia que estava tudo combinado e fluía em silêncio. Era como se cada indivíduo soubesse direitinho como agir e o que esperar dos outros.
Vez por outra, a voz da mulher que conduzia o trem, trazia alguma informação sobre a viagem, sobre as conexões, pedia desculpas pelo atraso. Em algumas estações, muitos daqueles passageiros desceram, outros desconhecidos entraram. Se acomodaram da mesma forma silenciosa.
Enfim, chegamos à estação destino. Todos desembarcaram em direção a lares, escolas, escritórios, outros trens. A vida continuou sem perturbação, sem ninguém saber de ninguém ou da história por trás de cada casaco, de cada mala ou mochila. A viagem foi apenas um pedacinho do dia de cada pessoa. O que ficou marcado para algumas foi somente aquele atraso no início do trajeto. Quem sabe, ao fim do dia, ninguém nem se lembrasse mais desse acontecimento da manhã.
O trem partiu de novo da plataforma em uma velocidade baixa. Acho que foi para o enorme pátio de manobras à espera da ordem para mais uma viagem de um monte de rostos que não se conhecem, que não perturbam ninguém ou desejam ser perturbados. Outros desconhecidos.
A vida pode ser assim. Muitas pessoas chegam e não ficam: estão de passagem. Outras tentam contato, não são correspondidas e se vão. Pouquíssimas surgem e permanecem até uma próxima parada que permita que haja, ao menos, uma troca de palavras, afeto e companhia.
A nossa viagem pode ser solitária.