É ou não para ficar perdida como se eu navegasse em um oceano de dúvidas, novidades frenéticas, vaivéns e espantos ? Por formação, ou quem sabe, por deformação, acompanho o perfil nas redes sociais de muita gente independente de credo, de escolhas políticas, de nacionalidades ou de profissão. Anda me dando preguiça e até cansaço com o que leio e vejo. Daí, esse efeito de confusão. De alguma maneira, todo mundo quer ser especial, em uma linguagem técnica, quer ser relevante.
Não é uma crítica às redes sociais. Não dá para cuspir no prato que se come. Sou usuária e sei da importância e do lugar que elas têm na sociedade contemporânea. A questão é a farra e a loucura que explode em cada post, em cada perfil diariamente. Especialmente nesta semana em que bebês reborns e depoimento no Senado por causa da febre das BETs tomaram conta não só das redes como da imprensa.O assunto fica mais sério quando envolve crianças e adolescentes, que com ou não consentimento dos responsáveis, trafegam nesse espaço digital ensandecido como influencers. Como um ser de 10 anos pode dar dicas seja qual for o tema?
Você pode até argumentar que já vivemos assim há algum tempo, que eu estou atrasada ou que não vale mais a pena tocar de novo nesse tópico. No entanto, acredito que precisem ser revisitados para que a gente aprenda mais, não caia em lorotas e perceba como a humanidade emburreceu ou se faz de burra para ganhar notoriedade e grana. É como se cada um perseguisse um caminho, aparentemente mais fácil, para ser especial de qualquer jeito.
As redes sociais diluíram a fronteira entre o que real e o que não é. Sugaram a necessidade da verdade e da autenticidade como um bem principal de qualquer post, produto, texto, notícia ou proposta. Quanto mais likes, melhor, seja qual for o preço a pagar. A monetização é o objetivo.
Como pontuou Zigmunt Bauman, ainda na última década do século passado, seria a fluidez da pós-modernidade que acompanha a vontade da liberdade a qualquer custo, a qualquer hora e com qualquer interlocutor. Independentemente da idade, do nível de ensino, da situação financeira, uma pessoa pode muito bem ter um perfil, ou personalidade, hoje, outro amanhã e mais outro na semana que vem. Pode mudar conforme o vento e tomar outro rumo. Sem que essa atitude seja entendida como falha, traição, erro ou idiotice. Depois é só retornar ao seu novo curso e seguir em frente. Tudo é permitido. A audiência aceita.
Quem deseja pertencer a esse…“mundo pós-moderno de estilos e padrões de vida livremente concorrentes, há ainda um severo teste de pureza que se requer seja transposto por todo aquele que solicite ser ali admitido: tem de mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se regozijar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na interminável de cada vez mais intensas sensações e da vez mais inebriante experiência”.*
Só um detalhe, Bauman não contava – ou se contava, não citou nesse livro – com o fel que sai dos dedos dos haters. Continuo a me impressionar com o que se passa nos comentários. Quando um hater levanta da cama com vontade de destilar seu ódio não importa o assunto, perfil, data ou motivo. O mais importante é ser especial na base da raiva e da desarmonia, que invariavelmente levam a mais likes, fama, conta bancária robusta e mantêm o algoritmo acordado e ativo administrados por IAs. Essas, como diz Yuval Harari, não são seres humanos. Fazem aquilo que seres humanos reais determinam fundamentados em um monte de premissas baseadas no lucro.
Ser especial é outra coisa. Diz respeito a uma trajetória longa que demanda atenção consigo mesmo e com o outro. É se manter em autodescoberta e crescimento o tempo todo. Não significa procurar por um ser perfeito ao fim dessa caminhada. É encontrar sua autenticidade e integridade ao longo dela. Acredito que dessa forma é possível atingir mais pessoas, seja na rede social ou fora dela. O ganho financeiro passa a ser consequência dessa verdade interna como uma marca permanente e inspiradora.
E, nós, ficamos por aqui exercendo a crítica, a observação e a análise contínuas para não cair em nenhuma falcatrua e suportar o que vai pelas redes. É o jeito.
* “O mal-estar da pós-modernidade”, Zigmunt Bauman