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Lição de mãe

Era uma manhã de inverno carioca. Sem o tampão sobre um de seus olhos, minha mãe pediu um espelho. Estava na minha casa desde o dia anterior quando havia passado pela cirurgia de catarata. Balançou a cabeça, fixou o olhar, piscou mais de uma vez. Sem palavras.

Achei estranho sua atitude silenciosa. Esperava que ela fosse expressar um “uau”. Há algum tempo queria muito fazer esse procedimento. Precisou superar o medo, a angústia e a desconfiança com a equipe médica. Vivia me pedindo para tirar uns dias de folga para cuidar dela.

Me mantive calada e desconcertada com o seu comportamento. Pensativa, ela amarrou a cara, largou o espelho sobre a mesa. No seu sotaque castelhano, que não a abandonou até a morte, e com o olhar fixo na parede verde claro da sala:

—  Posso tomar meu café com leite e as torradas com requeijão light? Quero mamão também.

— Claro, mãe, claro que sim. Vou pegar na cozinha. Está sentindo alguma dor? Não vai dizer nada? Preciso pingar o colírio que o médico receitou.

— Agora consigo ver as rugas do meu rosto. Não gostei. É muito triste se ver velha.

Fiquei sem saber o que dizer. Sentada ao seu lado, imaginei fazer uma piada; explicar que a vida era assim mesmo; que ela estava bem de saúde; que tudo era apenas uma sensação natural para quem ficou com dificuldade de enxergar por um período.

Não consegui construir nenhuma frase interessante. Acho que nada daria conta daquele momento pessoal e, porque não dizer, doloroso para ela. Só segurei sua mão com força.

Minha mãe começou a sofrer cedo com a catarata. Relutou em fazer a cirurgia por receio de perder o pouco que enxergava. No entanto, sua mobilidade ficou prejudicada e sua habilidade com bordados idem. Um dia, resolveu se livrar da “mosquinha” que pairava sobre sua visão. Enfrentou com coragem todos os exames e as idas ao consultório médico. Estava muito feliz quando saiu da sala de cirurgia.

Depois do café da manhã, fez as orações diárias e pediu sua bolsinha de bordados, fitas e “fuxicos” para enfeitar panos de prato. Gostava de presentear com seus trabalhos manuais. Passou a manhã entretida com as tarefas artesanais. O silêncio se manteve.

Só lá pelo início da tarde, quis tomar um suco de laranja. Minutos depois, soltou uma gargalhada. De novo, fiquei sem entender o que estava acontecendo.

Sabe, minha filha, os anos não vão voltar. Eu tinha uma pele linda, elogiada por todo mundo. Essas rugas são horríveis. Me deram um susto. Mas, pensando bem, estou aqui, viva. Melhor assim.

Fico imaginando onde ficam guardados dias como esse pós-cirurgia recheados de lições e afeto. Será que há um cofre cheio deles que eu possa acionar quando a saudade bater? Acho que sim. Só de escrever esse texto parece que ouvi a sua gargalhada estrondosa, senti o perfume de água de rosas e o cheiro do bolo de laranja que só minha mãe sabia fazer.

Foi muito bom reviver essa memória nessa semana do dia das Mães.