Categorias:

Por causa de uma fábrica de biscoitos

Por vezes, caminhamos sem saber muito bem o que se passa ao nosso redor, quem anda perto de nós ou mesmo quem esbarra nos nossos braços. Nós deixamos levar pelo andar dos anos e dos acontecimentos ou pelas contas a pagar.

Sei que devemos ter foco naquilo que desejamos. No entanto, ao longo da minha caminhada, percebo, por outro lado, que rigidez nas escolhas ou na rotina me faz perder a verdadeira essência de quem sou. É como se me perdesse de mim mesma já que o mais importante seria chegar a um ponto no futuro traçado lá no passado que, na verdade, pode não ser nem alcançado. Afinal de contas, foi projetado com dados pretéritos e ideias de uma pessoa que já não existe mais. Eu não sou mais que achava que era. Acredito que assim perca a beleza e a magia do presente.

Não significa que tenha largado pela estrada a curiosidade daquela menina de subúrbio carioca que enxergava a vida através dos livros e dos gibis emprestados, de uma tevê em preto e branco ou da janela dos ônibus do trajeto até a casa da minha avó e dos passeios da escola. Sempre procurava aproveitar essas saídas. Eram raras.

Uma delas surgiu como um relâmpago na minha mente enquanto fazia uma pesquisa. Eu amava a visita que o colégio programava à fábrica de massas e biscoitos Marilú, dizimada por um incêndio em 1968. Ficava na região do porto do Rio. Foi sede do Jornal do Brasil – onde trabalhei de 1985 a 1989 – e, hoje é o INTO. Era uma festa de cheiros, sabores, sons e um enorme impulso à minha cabeça esquentada para inventar histórias. Passava dias imaginando o que poderia acontecer naquela estrutura fabril, nas escadas de metal, nos grandes tanques onde os produtos eram processados. Queria ser dona daquela fábrica.


Sou hoje o resultado de tudo que passei, comi – inclusive os biscoitos Marilú – bebi, li, amei, odiei. Enfim, do que vivi no passado. Como tudo indica, serei no futuro aquilo que estou vivendo agora, no presente, somado ao que já atravessei.

No entanto, como nem tudo o que imaginei aconteceu – não me tornei dona de nenhuma indústria de biscoitos, por exemplo – tenho lá minhas dúvidas.

O foco na minha existência continua. No entanto, devo ser mais flexível e procurar entender as nuances do “agora”. Qualquer coisa que eu faça, que eu diga – ou não – farão diferença de um futuro que, aliás, nem sei como será.

Pelo menos, o aroma dos biscoitos sendo assados na fábrica do passado está presente agora.