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Uma voz feminina

“Em um quilômetro, vire à esquerda. Siga por setecentos metros e vire à direita para a Avenida Central”. Em alguns minutos, o aviso sonoro: você chegou ao seu destino”.

O sujeito desembarcou sem um bom dia ou obrigado. Pelo jeitão dele, Gelson já imaginava que seria assim. A falta de educação dos passageiros era algo que o irritava. Religou o rádio e partiu. Logo depois, mais uma solicitação de corrida.
Abaixou o som, parou diante de um prédio comercial e abriu a janela. Uma mulher jovem usando um longo e justo vestido azul já o aguardava com o celular nas mãos.

— Gelson? Bom dia. Sou Ana.

A passageira entrou no carro, recebeu um retorno do seu cumprimento e se acomodou no banco traseiro. O motorista deu a partida logo após tocar na tela do celular e checar o trajeto sugerido. “Nossa, essa é educada. Raro.”, foi o que passou pela mente de Gelson.

O Fiat Argo preto rumou com destino à Travessa da Liberdade, número 13. O aplicativo sugeriu um caminho desconhecido. Apesar de achar que era um tanto o quanto inusual fazer esse percurso, a sugestão foi acatada.

“Em dois quilômetros, dobre à direita. Atenção: radar em 500 metros”.
Na aproximação ao radar, Gelson diminuiu a velocidade. Quando estava se aproximando dos dois quilômetros indicados:
Recalculando a rota. Siga em frente por 900 metros e vire à esquerda”.

O carro seguiu a indicação sugerida pela voz feminina do aplicativo.

— Nossa, ando reparando que esse APP muda muito de opinião em cima do laço.
— Ah, é assim mesmo, moça. O olhar do GPS deve ter enxergado algum engarrafamento, obras. Acho muito chato quando essas mudanças bruscas surgem. É muito desagradável. Passo o dia discutindo com essa voz. Me manda pra lá e pra cá. Cansativo.
— Só espero que essa nova opção não me atrase. Tenho um compromisso.

Pouco antes dos novecentos metros, o motorista ligou a seta para entrar à esquerda conforme a indicação. Era o que mostrava o mapa. Desacelerou.

Não havia rua, estradinha ou coisa alguma que pudesse ser o que o mapa inicial indicava. Somente havia um muro alto e longo com plantas que subiam em direção ao céu. A lateral de um cemitério.
Gelson se inquietou. No entanto, resolveu aguardar um pouco. Rodava a baixa velocidade, quase parando.

— Epa, o que rolou? O carro está com problema? Vai parar por aqui?

“Recalculando a rota. Siga mais um quilômetro, vire à direita, depois à esquerda e novamente à direita”.
Gelson respirou aliviado.

— Viu? Foi só mais uma alteração. Como sempre digo, é só aborrecimento com esse aplicativo e essa voz irritante que me persegue o dia inteiro. Tá maluca, acho eu. O satélite do GPS deve estar caolho.
Conforme as últimas informações, o sinal sonoro tocou pouco tempo depois.

“Você chegou ao seu destino”.

A boa e educada impressão do embarque desmoronou no instante em que a moça saiu. Bateu a porta do carro, não disse “tchau” nem obrigada. Gelson vendo a reação da passageira encerrou a corrida. No fundo do coração, desejava que ela não tivesse tido algum problema por conta das idas e vindas. Deu partida. Voltou a rodar.

“Já disse mais de uma vez pra você que quem manda aqui sou eu. Não fica dando bola pra passageira bonitinha, boa gente. Eu digo pra onde você vai. Se continuar assim, já sei pra onde vou lhe mandar. Tem uma ponte destruída nas últimas chuvas que você não sabe onde é. Você vai cair de lá de cima com carro e passageiro. Apronta pra você ver do que sou capaz”.

Gelson freou com o coração batendo forte. Não sabia de onde vinha aquela voz. Atordoado sem saber se ia frente ou não.

“Sou eu. A voz chata que tá sempre aqui com você. Sou sua companheira do aplicativo, a única que está com você na sua solidão. Já disse, não apronta. Do contrário, pode deixar programado o seu enterro. Agora, vamos. Tem corrida entrando”.